Causo da Borra do Gato

Outro dia eu ouvi que não valho o que o gato enterra, no ápice da crise de um conturbado relacionamento, que era empurrado com as barrigas por anos a fio, isso me fez refletir, pensar bastante acerca dessa expressão tão utilizada em terras tupiniquins: "não vale o que o gato enterra", um dicionário nordestinês quase me pôs em depressão, pois vi que um dos maiores sentidos dessa frase é que as pessoas que não valem o que o gato enterra são imprestáveis, isto é, inservíveis, inúteis, no começo até achei engraçadinho, mas depois vi que é uma expressão realmente forte pra se dizer pra outra pessoa, deve-se ter um sentimento contundente, um ódio imensurável, no entanto não lembro de ter feito tão mal ao meu ex-amor, só de umas brigas de pequenas proporções, motivadas por ciúmes sem razão, por inexistência de diálogos amigáveis, enfim, resolvi reencontrar a pessoa que me deixou no chão com somente oito palavras e indagá-la sobre o que eu fiz pra merecer ouvir tais vocábulos. Antes de entrar na casa que eu morava, sentei-me um pouco no banco do jardim e fiquei a contemplar um gatinho lindo que na planta acostava, estava tristonho, com uma cara de quem comeu e não gostou nada, é, acho que comeu mesmo algo estragado pois ele acabara de evacuar alguns excrementos de odores nada agradáveis, continuei a observar e notei o alívio que ele sentiu ao concluir os trabalhos, logo depois veio o choque, o gatinho lindo enterrou absolutamente tudo o que expeliu, tive um rompante, lembrei-me novamente da funesta expressão e debulhei em lágrimas, águas nunca dantes escorridas, pois me vi naquela borra, naquela fedentina, senti-me humilhado, depreciado, o pior dos seres humanos que eu conhecia, mas estanquei o choro, reergui a cabeça, levantei-me e toquei a campainha. Ao me ver, ela surpreendentemente me deu um abraço, eu fiquei um pouco zonzo, mas acho que foi por outro motivo, eu estava sem comer há horas, logo que entrei fui à geladeira e me deparei com uma bela torta de chocolate com nozes, comi duas grossas fatias, as quais me saciaram imediatamente, ela não parava de olhar sorrindo pra mim, ou sorrir olhando, como queiram, eu não entendia bem o que estava se passando por sua mente, mas nem precisei ficar tentando adivinhar pois ela foi bem direta: "Volta pra mim", eu gelei com um misto de sentimentos, bebi um copo d'água (quente) e depois expus tudo o que eu tinha pensado nos últimos dias, sobre o mal que ela me causou ao dizer, em outras palavras, que eu não valia nada. Ela gargalhou, depois me afirmou que só falou aquilo por falar, nem sabia realmente o que estava querendo dizer, confesso que acreditei prontamente, ou quis acreditar, não sei, só sei que disse "Sim, eu quero voltar pra você, eu te amo mais que a mim mesmo" , sei que foi meio novelesco mas saiu naturalmente, será difícil dar certo se continuarmos empurrando com as barrigas, um bom relacionamento flui, não carece de ser empurrado por nada. Depois do episódio da torta, quero dizer, da volta, estamos juntos há três anos, ah, mas não posso deixar de narrar o que ocorreu logo depois que nos beijamos na cozinha. Disse a ela o quanto sofri ao presenciar o que o gato expele o todo o ritual do enterro e ela fez questão de cometer uma loucura de amor, simplesmente desenterrou a m**** com as próprias mãos e disse que até aquilo valia algo, só não sabia quanto, depois me estimulou dizendo que eu valia um preço incalculável e veio ao meu encontro, não sei como mas me deixei ser abraçado e aquela fedentina repentinamente se dissipou e eu só cheirei o nosso amor.

Tchelo
Enviado por Tchelo em 03/03/2011
Reeditado em 03/03/2011
Código do texto: T2826051
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