Dentadura ? Tem que dar calo !

A testada que um colega deu na porta, estilhaçou seus óculos e o fez improvisar outros, em tempo recorde. Como? Comprando no camelô.

Segundo ele, para não ficar sem o seu auxílio de visão até realizar uma nova consulta oftalmológica, recorreu ao mercado paralelo, obtendo um par para leitura.

O vendedor foi trazendo alguns modelos de óculos e uma pequena bíblia, para que eu aferisse qual dos pares possuía melhor grau, para mim. Falou o colega.

_ Estes estão bons ? Perguntava-lhe o vendedor.

_ Não! Estou enxergando pouco. Respondia ele.

_ E estes, como estão ?

_ Doem as vistas. São fortes demais

E assim foi passando de par em par até descobrir um que melhor lhe servia.

Isto me fez lembrar do causo passado na minha infância da dentadura.

O atendimento odontológico em Raposos era feito pelo SESI e pelo Sindicato dos Trabalhadores na Mineração de Ouro.

Para os membros das famílias de baixa renda - dos operários - restavam-lhes quando não, o "buticão", as obturações com amálgama. Quem as faziam, e sorria, mais parecia fantasia bucal de Halloween.

As pessoas pertencentes às classes mais privilegiadas usavam o ouro como material. Esses quando sorriam, pareciam descendentes de ciganos.

No meu caso, as amálgamas sobressaíam.

Lembro-me de um dentista do SESI, Dr. Caio, que tinha que pedalar um motor para pô-lo em funcionamento. Aí então, a máquina começava a funcionar e os curativos eram feitos.

Certa vez, ele, o dentista, cansado de me pedir para abrir a boca, colocou um palito de fósforo entre a minha arcada dentária superior e a inferior para que eu ficasse com a boca sempre aberta.

Já chateado com ele por ter colocado uma borrachinha entre meus dentes, que eram muito unidos, para alargá-los, e deixando com isso um espaço grande entre eles, prejudicando a minha estética, não tive dúvidas em reclamar:

_ Dr. Caio, tenho ojeriza de palito de fósforo. Não gosto, nem do cheiro da pólvora. Por favor !

_ Este palito de fósforo tá mais limpo que seus dentes, Respondeu ele.

_ Limpo ou sujo, seu dentista lambão, o senhor se quiser uma sugestão de onde colocar este palito, posso sugerir; mas em minha boca, não. E saí de sobressalto da cadeira para risos de Marli, sua assistente, e cunhada de minha irmã.

Mas, o mais hilário ainda está por vir. Senhor Joselito Tenente aprendeu o ofício de fazer dentadura, artesanalmente. Como outros afazeres que eram comuns no interior: tintureiro, alfaiate, cerzideiras ...

Em sua casa, Joselito, possuía um gabinete e nele um armário com a alcunha de sorriso. Quando abria a sua porta, só se via dentaduras.

Tinha dentaduras de vários tamanhos e estilos. Com dentes unidos, pouco separados, bastante separados ...

Quem estava banguelo, tinha endereço certo: Joselito Tenente

Dona Carlinda o procurou para comprar um par de dentaduras.

_ Humm, deixa ver ! Esta !

E colocou em sua boca dizendo: vai incomodar um pouco, pois dentadura tem que dar calo.

Dona Carlinda havia chegado triste e saiu sorridente.

Crispim, noutro dia, foi lá e adquiriu, também duas. Sua autoestima fora recomposta.

E assim acontecia. Era com Marinalva, Aristides, Tertuliano e muitos outros.

De vez e sempre, os freguese voltavam.

_ Seu Joselito ! Minhas dentaduras estão caindo.

_ Vamos ver outra mais justa, aqui.

_ Xiii ! Mas logo agora que já calejou !

_ Pois é, Dª Aparecida, dentadura tem que dar calo.

Aprígio, apareceu com as dele, justas demais.

_ Olha, seu Joselito ! Veja como marcou toda a minha gengiva. Tão muito justas.

_ Calma, seu Aprígio, dentadura tem que dar calo, mesmo. Mas vamos ver se achamos umas mais bambas para o senhor.

Juvenal veio queixar da falta de ar após ter ficado de boca nova:

_ Seu Joselito, eu tinha uma dentição mais espaçada. Agora, só consigo dormir de boca aberta. O ar tá pouco prá mim e minha mulher, no mesmo quarto.

_ Espera já, seu Juvenal.

Joselito voltou com um par, tipo limpa trilhos, e encarcou em sua boca.

_ Noossa! Mas como dói, Hein seu Joselito ?

_ Éh, seu Juvenal, dentadura tem que dar calo !

ANTÔNIO CALAZANS