O Sr. Tribéca no Cabaré.
Ele era um sujeito baixo, moreno de fala clara e fluente, daqueles que quando falam a gente pára pra ouvir. As palavras lhe saíam de forma nítida e forte dando sempre a impressão de plena convicção sobre o que dizia. Rapaz mulherengo ao extremo, não podia ver um rabo de saia que já se ouriçava todo e se desmanchava em galanteios.
Certa noite de festa no Benoni – o melhor salão de baile de Araguacema - ele começou a dançar com uma donzela e parecia que a noitada ia terminar bem. Dançou várias “partes” com a mesma garota e já todo animado, fazia seus planos para o abate, coisa que se tudo desse certo, seria logo mais no final da festa.
Mas apesar de todas as suas investidas, a jovem mantinha firme o intento de resguardar o “algo mais” para o felizardo futuro esposo.
“Tu ten Vas” rolando na vitrola e ele mais romântico do que tudo, lasca:
- Minha filha, não tenha medo, tu não vais te arrepender – Dizia ele todo meloso.
- Aqui comigo é só depois de casar, tu ta pensando que sou dessas? - Disse a donzela em resposta.
Mais uma esfregadas daqui, passadas de mão ali e o nosso herói, num rompante de desespero e empolgado pela música do Barros de Alencar – Prometemos não chorar- joga mais uma vez a conversa que por muitas vezes tinha dado bons resultados:
- Tu não precisa te preocupar minha filha, te dou casa, comida e roupa lavada. Sem falar na vida de rainha que vais levar. Serás motivo de inveja por todas as outras.
- Hum! Com essa conversinha aí tu num vai conseguir é nada! Casa comigo primeiro que tu vai ter o que quer. Vai até se fartar.
-Tu estás de crueldade comigo, minha filha!
Depois disso foram mais uma dezena de tentativas, todas se mostrando infrutíferas e o sujeito pra não partir pra ignorância resolve deixar aquela féla da mãe pra lá e vai embora dormir. Vai mais bravo do que cobra de resguardo:
- Se na hora que tava tocando Mississipi eu não consegui foi nada, agora com o Pinduca é que lascou. Amanhã mesmo eu vou sumir daqui desse lugar de mulher regulada! Vou me lascar nos cabarés da Barreira do Campo, no Parazão. Quero é que se dane o mundo que não me chamo Raimundo!
Nesse momento, sem se preocupar com o avançado da hora, ele resolve desviar o caminho, e ir direto pra casa do Vavá.
O Vavá era dono dos batelões que faziam o transporte de tudo e por toda a região do Araguaia.
Ao chegar, mira a primeira janela que encontra e lhe dá uns tapas gritando:
- Vavá, aterre os pés, homi, chegou o passageiro que faltava pra Barreira! Pode colocar gasolina no “doze véi” (antigos motores de popa de 12 HP) e simbora que eu hoje tô daquele jeito. Num quero saber quem morreu, eu quero é chorar! Nem quero saber se a mula é manca, eu quero é rosetar!
O Vavá, coitado, sem saber o motivo daquele parapapá todo, pulou da cama já empunhando um facão enferrujado, pensando “Quem morreu? Quem ta chorando? Que bula branca?” quando reconhece a voz do Tribéca:
- Que que ta acontecendo, homem de Deus, matou alguém? Ta fugindo da polícia?
- Matar não matei não. Quase que me mataram. Ô muié difícil. Eu é que quase morro dessa vez! Simbora, pega o doze e põe petróleo e vamo subir esse Araguaia véi. Pode deixar que eu levo o doze no lombo até o barco. Pra cabra mole todo castigo é pouco!
O Vavá, ainda sem entender e grogue de sono, tenta acalmar os ânimos do inesperado visitante:
-Moço, tem outros passageiros que vão também, e o horário é só as oito. Se acalme homem de Deus, faltam apenas algumas horas.
- Vou te falar, Vavá. Tu é mole demais moço, parece rico. Quer acordar só depois que o sereno seca? Não sei com tu consegues passageiros pra viajar contigo. Mas deixa estar, eu vou esperar é lá no barco pra não ter perigo de ficar. E vê se apressa esse povo pra não ter atraso!
Assim ele desce até onde o barco está, sobe no toldo e ali se acomoda deitado, olhando as estrelas e ouvindo o manso barulho das águas do Araguaia.
Aquela quietude toda, a beleza que estava aquele céu sem nuvens, o barulhinho das águas do Araguaia o acalmou um pouco e ele pensou se não seria melhor ir era pra Conceição do Araguaia, onde tinha mais cabarés e mulheres mais bonitas...
- Acorda rapá, acorda homi. Parece que tá morto!
-Porto, que porto?
-Que Mané porto, acorda! Já passamos da Buzunga e tu vai é te pelar todo aí , deitado nesse sol!
Era o Luiz Fazendeiro acordando o cabra que dormira até o sol alto.
E não é que ele dormiu tanto que nem percebeu que o povo tinha se achegado e tinham até seguido viagem? Já estavam era longe.
- Tá bom Luiz Fazendeiro, mas olha, eu tô é com uma fome lascada.
Lá em baixo, sob o toldo, tinha uma passageira vinda lá das bandas do Dois Irmãos abrindo uma lata de frito viajado. O aroma rescendeu!
O frito tava mais cheiroso porque a mulher - Dono Zulmira– tinha perdido a caminhoneta do Isaías logo cedo, a única condução diária de Dois Irmãos para Araguacema e com isto, teve que contar com a sorte, sob o sol escaldante na beira da estrada poeirenta, esperando outro veículo que a levasse até a cidade vizinha, fato que aconteceu quando o sol já pendia pro outro lado e o seu Raimundo Dias passou por lá na Aero Willis marrom e a levou. Por isso o frito ficou mais curtido e gostoso. A tarde toda dentro da lata de Neston, sob aquele sol...
Depois de uma breve conversa o nosso herói convence a D. Zulmira a lhe oferecer umas colheradas daquele frito. Estava uma delícia. Frito de carne seca.
Já era lusco fusco quando chegaram na Barreira do Campo. Ele saltou da condução que os levara do barco até a cidade, fincando os dois pés juntos no chão, abriu os braços, encheu o pulmão daquele arzinho fresco e deu um grito:
- iiiiiiquiôôô te prepara Barreira do Campo, aqui estou eu! Quem tem suas cabritas que coloque no cercado. Quem tem mulher bonita não deixa sair na rua hoje. Eu to é com a macaca!!! Eu quero é rosetar!
Após o banho tomado, o calorzinho de um decente gargurau no estômago e todo besuntado com perfume patchuli, foi pedir informações ao porteiro da pensão:
-Já tem algum “fôia” novo aqui nessa curruta?
Araguacemense que se preza pensa que toda cidadezinha que tem no seu entorno é currutela e é mais feia, mesmo sendo a outra maior e mais bonita.
O porteiro, recém chegado de um curso de hotelaria feito em Imperatriz-Ma, quis pôr em prática a sua nova formação, apenas olhou nosso amigo de alto a baixo, de baixo a alto, engoliu seu orgulho de Barreirense e disse:
- Que diacho é “fôia”?
- Casa de tolerância, Casa de baixo meretrício, cabaré, prostíbulo, seu analfabeto! Estás surdo?
O porteiro, já decidido que seria melhor que ele não tivesse feito esse curso de boas maneiras e hotelaria, pois, com esse já eram dois desaforos desse “baxim”. E tudo que ele se lembrava era do instrutor dizendo: “O ‘freguêis’ tem sempre razão”, disse:
- Ah bom. Aqui nóis chama é de puteiro mesmo. Num tem nenhum novo não senhor continuam os mesmos cinco: O da Zefa o da Tonha o da Maria Peituda, o da Sirigaita e o do Vandervô. No da Maria peituda chegou uma menina nova.
-Então é pra esse que eu vou. Fui!
O porteiro ficou observando aquele “baxim” se afastar e pensando que ali ia um homem de sorte. Ah se ele não fosse um sujeito fino agora. Ah se não tivesse feito esse curso em Imperatriz! E se perdeu nas lembranças daquela que, para ele, era a maior cidade do mundo, maior até que Conceição do Araguaia que até dias atrás, antes de conhecer o Maranhão, era a maior. Ficou coçando o cabo da peixeira 12’’ que estivera o tempo todo sob o balcão... Ah, pois muito que bem!
De modo que sem percalços nosso guerreiro chega até o “fôia” da Maria Peituda. Só de sentir o cheiro do Cashimire Bouquet e do Tabu ele já se sentiu feliz. Ali, sim, era o lugar. Como pudera ficar tanto tempo sem esses aromas tão especiais? Mais uma vez encheu o peito e desta feita com a mistura dos finos perfumes, álcool e tabaco. Pensou em dar mais um daqueles gritos “iquiiiôôôô!”, mas se conteve. Precisava ganhar o terreno primeiro. Apesar de ser de Araguacema, uma cidade grande, não ficava bem, só porque estava em uma currutela, ficar gritando assim atôa.
Ali ele entrou. Seu olhar experiente em locais desse naipe, como um predador primitivo, perscrutou todo o ambiente em busca da presa mais apetitosa.
Ao som de Reginaldo Rossi – A Raposa e As Uvas- escolheu uma mesa bem no meio do salão, afinal, ele precisava ser visto. Não era homem de sentar pelos cantos.
Já pediu logo uma Antártica mofada e começou a bebericar a bebida gelada sempre observando suas presas. Eis que surge uma pequena linda como nunca vira antes. Tentou de todo jeito chamar a atenção para si, mas foi tudo em vão.
Sem se conter ele chama um garçom:
-Ê rapá!
No que o garçom se aproxima ele que saber sobre a piriguete e o garçom lhe dá a ficha toda.
-Essa aí veio de Marabá. É a mais nova aquisição da Maria Peituda. Se quiser ficar com ela tem que ter gaita e é muita. Ela cobra 150.000.000,00 de cruzeiros dependendo do serviço.
Ele então já convencido de que aquela é a mulher da sua vida, pega a carteira e confere suas posses. Contou às pressas e viu que todo o dinheiro que tinha era pouco mais que esse valor.
- Que se lasque! Se o Vavá não fizer fiado eu desço o rio a nado, não vou é perder a oportunidade de ficar com essa deusa.
Disse já se imaginando em atos libidinosos com aquela princesa.
Mandou o garçom chamar a dita cuja que estava “arrudiada” de marmanjos babões.
Ao ser informada do convite, olhou para nosso amigo de cima pra baixo - o que era rápido, devido à estatura dele – como se contasse quantos $$ tinha aquele sujeitinho. Repetindo o recado, o garçom disse que aquele baixinho estava disposto a tudo pra estar com ela. Nisso os olhos da morena que eram verdes brilharam ainda mais e ela se dirigiu até a mesa já pensando nas notinhas que viriam.
- Tu podes pagar uma cerveja para mim? Disse.
- És pobre até no pedir, minha deusa. Peça meu coração que ele será seu - disse ele.
Conversa vai conversa vem e ele já desesperado a convida par ir para o quarto, no que ela concorda de imediato.
Ao passar por uma prateleira a moça mais uma vez lança seu olhar mais lânguido para nosso amigo e diz:
-Paga um saco de rosquinhas Mabel pra mim? Estão fresquinhas. Chegaram hoje e estão crocantes ainda.
- Já te disse que és pobre até no pedir, minha deusa. Podes pegar quantos quiseres.
Assim sendo, a moça pega um saco e já o abre a caminho do quarto e vai degustando algumas.
Ao entrar no quarto nosso amigo araguacemense parte pra cima é fervendo e a moça mais uma vez lhe pede:
- Benzinho, sou muito recatada e gosto de fazer “saliença” é no escuro.
E ele todo romântico querendo impressionar aquela deusa grega:
-Tá bom, tá bom, mas vamos logo com isso.
A moça então, com muita dificuldade ante os afagos do sujeito, apaga a lamparina e o trem esquenta. Nosso amigo já pensando até em casamento com aquela formosura, jurava nunca ter ficado com uma mulher tão formosa e cheirosa. Ela era linda!
E o pau caiu a folha! Ele se esforçando ao máximo para não fazer feio, ia naquele vuco-vuco desenfreado.
E um barulhinho...
Crot, crot, crot, crot, crot, crot...
E tome-le tome-le, tome,
Crot, crot, crot, crot, crot, crot, crot...
Mas algo parecia estar dando errado. Por mais que ele se esforçasse a moça parecia querer uma desempenho ainda maior. E ele pra não deixar a desejar, se esforça ainda mais com as carícias e movimentos poucas vezes praticados...
Crot, crot, crot, crot, crot, crot, crot...
“Que diacho de crot crot é esse, será que tem rato aqui?” Pensou nosso amigo.
E a garota ainda inerte. Agora o nosso amigo resolve botar pra ferver!
Crot, crot, crot, crot, crot, crot, crot...
E ele mandou ver! Foi um deus-nos-acuda. Todo o puteiro escutou aquele parapapá sem nada entender. Nosso amigo já quase no auge da sua jornada ainda ouve
Crot, crot, crot, crot, crot, crot, crot...
Crot, crot, crot, crot, crot, crot, crot...
E a moça quieta, nem parecia estar presente. Alheia a todos os seus esforços para animá-la. “Será que essa muié morreu nos meus braços?”
Crot, crot, crot, crot, crot, crot, crot...
“Só pode ser rato ou mucura, esse barulho”
Então ele já em desespero, resolve acender a luz. Apanha uma caixa de fósforos Fiat Lux Pinheiro risca um palito e o que vê o deixa embasbacado!
A moça segurava o saco de biscoito Mabel com uma mão e na outra havia pelo menos três rosquinhas e sua boca estava cheia de pedaços de biscoito. Aquele Crot, crot, crot, crot, crot, crot, crot... nada mais era do que o barulho dela mastigando.
Fulo da vida e sem crer no que seus olhos teimavam e mostrar, nosso viajante dá-lhe um surdão no pé da lata e grita:
-Presta atenção no serviço, sua vagabunda!
E o Sr. Tribéca sai daquela casa de tolerância arrasado, pois não era possível. Viajara o dia todo pra resolver seu problema e dá nisso. O que mais falta acontecer.
Ao chegar na pensão entra sem dar moral pra o (o mesmo) porteiro, sem entender o sorrisinho sarcástico que ele ostentava nos lábios.
Ao chegar no quarto, sem querer acender a lamparina se joga na cama de qualquer jeito e eis que percebe que já há alguém lá. Sem acreditar em tanta sorte ele pensa que ali está a salvação da sua noite e até mesmo da sua viagem. Quem seria? Antes de qualquer investida ele resolveu acender uma lamparina e para sua surpresa não era nada do que ele estava pensando. A visão foi ainda pior do que a da moça comendo biscoito. Ali estava deitado na sua cama um boiola sem camisa, de sutiã e batom. No susto ele deu um grito:
-Tá de sacanagem comigo seu fruta, não basta o que já passei hoje?
E tome mais um surdão na orelha do infeliz.
Saiu às pressas passando pelo porteiro da pensão que agora ria as gargalhadas vendo aquele baixinho saindo furioso.
-Me vinguei, peste!