SEXO, DROGA E MORTE.

O sonho sempre fora de um dia ser professora. Brincava com o imaginário, sonhava com seus alunos e alunas. Vivia no mundo das ilusões com as sua aulas de somar, de escrever e de ler. Nada a impedia de ir para a escola, dias de chuva intensa, lama e barro, lá estava atenta ao que a “tia” ditava. Caligrafia correta, limpa, clara e harmônica.

Um dia ela se formou professora. Um dia ela estava lecionando para a sua primeira turma. Um dia ela viu passar um moço, alto, loiro, bronzeado e cheio de vida.

O tempo passou. Agora ela não mais lecionava. Ele o amor da sua vida, um pescador artesanal, tirava do mar o sustento da família. Por anos lecionou de forma particular. A sua aluna predileta, agora com 19 anos, estava dando seqüência ao que foi interrompido anos passados. Agora em um nível mais avançado, Pedagogia.

Moravam na praia dos quatro rios. Isolada da cidade, como uns 40 quilômetros. Quando a maré enchia, não era possível alcançar a praia. Não tinha pontes sobre os rios. Praia deserta ou quase. Natureza viva e vibrante. Virgem na sua plenitude. Um dia construíram um atracadouro. Construíram também umas casas enormes que chamavam de mansão. Só gente fina e graúda. Cada barco que atracava, humilhava a pequena traineira do pai pescador. E fazia parte desta felicidade, o famoso Beiramar. Era um cachorro que acompanhava o pescador em todas as suas saídas para o mar. Explicando. Até ele embarcar na traineira. Ficava um bom tempo correndo para lá e para cá, até o barco perder de vista. Mas sabia intuitivamente quando o pescador estava voltando.

Era por assim dizer um entendimento quase que sobrenatural.

Pescador em casa, Beiramar deitado na soleira da porta. Pescador no mar, Beiramar na praia, ou melhor, na beira do mar.

Boa tarde. A senhora mora aqui? Sim e faz anos. Sou a dona daquela casa ali. Somos quase que vizinhos. Vim perguntar se a senhora não sabe de alguma família que possa nos atender nos finais de semana e cuidar da casa e do jardim, quando estamos na cidade grande? Foi por assim dizer um entendimento rápido. Ela simplesmente cozinhava no almoço e jantar. Preparava o café da manhã, fazia as compras de peixes, ostras, lulas, mexilhões, frutas da época e cheiro verde. Ele então cuidava do jardim e das árvores e quando necessário alguns concertos. O menino do posto telefônico avisava da chegada dos patrões-vizinhos. Aquele dia Beiramar, simplesmente correu para dentro de casa, quando viu a nova vizinha chegou. Ficou amuado na cozinha até ela ir embora.

E então um dia o padrinho da filha, única e amada veio convidar o compadre para viajar embarcado. Precisava de um homem forte na lida das redes. Oportunidade para ganhar mais um dinheiro. Não mais que oito dias embarcados. Além do salário da semana, a participação no lucro da venda.

O menino do posto telefônico veio avisar que os donos da mansão viriam no final de semana. As velas de sete dias estavam acesas. Uma para Nossa Senhora dos Navegantes e outra para Iemanjá. Os donos da mansão chegaram. A filha estava passando o final de semana em casa com a mãe. Estudava na Faculdade de Pedagogia na cidade. E sempre nos finais de semana vinha de barco até a praia dos quatro rios. Preparou o jantar para os patrões e convidados. O combinado era que uma vez preparado o jantar ela viria embora para sua casa e nunca depois das 21,30 horas. É bom combinar antes para não dar confusão depois. E a rotina era a mesma. Só que naquela noite de sábado quando terminara de preparar o jantar, quando estava saindo, foi brutalmente agredida pelo marido da patroa. Ele a violentou. Machucou. Bateu no rosto, puxou o cabelo. A estuprou de forma cruel e bárbara. Com o soco que levou no rosto desmaiou. Acordou toda ensangüentada, ferida no rosto, no olho. Correu aterrorizada para casa, aos berros entrou casa a dentro. A filha a abraçou e não entendia nada. Correu para o banheiro, tomou um banho demorado, como que querendo se purificar. As lágrimas se misturavam com a água purificadora do chuveiro. Contou par a filha do acontecido. Vou matar este desgraçado, pegou o revolver e a espingarda do pai. Sabia atirar muito bem. O pai a ensinara o manejo das armas. Em especial da espingarda de calibre 12, de cano duplo. Não foi. No dia seguinte, domingo pela manhã, foi no lugar da mãe. Preparou o café e não viu o marido da patroa. Preparou o jantar e se repetiu a mesma situação. E a sua mãe o que aconteceu que ela não veio? Esta com muita dor de cabeça. Vou visitá-la. Não. Ela esta com uma enxaqueca que não pode receber ninguém. Melhoras a sua mãe. Aqui está o salário da sua mãe e do seu pai. Obrigado e até a próxima semana. Partiram na lancha enorme. Deixaram para trás a desgraça pronta e vingativa. Aquela noite Beiramar dormiu aos pés da cama da patroa. Como que se penitenciando pelo acontecido.

Um empregado do compadre, dono do barco veio trazer um noticia nada boa. O barco era ter voltado naquela quarta-feira, já fazia oito dias que estavam no mar. Mas o motor apresentou um problema e estavam à deriva fazia mais de 24 horas. Haviam enviado um pedido de socorro para a Capitânia dos Portos e receberam a resposta que estavam a caminho. Um navio cargueiro passou ao largo e o comandante sabedor da situação perguntou se precisavam de alguma coisa. A Marinha estava chegando. Pela manhã um avião sobrevoou a traineira. Duas horas depois um rebocador da Marinha começou o resgate e a rebocar a embarcação. Em casa ela rezava. A filha não foi para a Faculdade. Esperava o pai. Combinaram que não contariam nada. Só não iriam mais trabalhar para o casal. Os ferimentos desapareceram. Fizeram emplasto com malva e mil dores. E tudo ficou como se nada tivesse acontecido. Fez vários banhos de acento com arnica e hortelã esmagada e tudo se resolveu. A dor física desapareceu. A dor da alma, da ofensa a sua intimidade não.

O menino do posto telefônico encontrou a filha do casal, quando ela e Beiramar andavam pela praia. Avise à senhora sua mãe que os patrões virão neste final de semana. E vieram. Foi no lugar da mãe. Preparou o jantar e veio embora. No sábado preparou o café e o almoço. À noite quando estava para vir embora, o marido da patroa entrou na cozinha e a agarrou. Não gritou. Simplesmente fez sinal de silêncio. E o conduziu para o quarto destinado aos hóspedes. Estava simplesmente transtornado.

Ela o convenceu a ficar totalmente nu. Serviu uma dose generosa de vodca e insinuou uma cena para tirar a roupa. Ele tirou do bolso uns papelotes de cocaína e foi cheirando aos poucos. E ela a estimulá-lo a beber mais e mais. Eram 10 papelotes.

Tinha cheirado seis. Ficou nua, totalmente nua e disfarçadamente colocou um papelote no copo. Bebeu. Estava totalmente drogado. Restavam ainda três papelotes. Deitou na cama e fez uma exigência só. Que cheirasse de uma só vez os três papelotes restantes e tomasse uma dose dupla de vodca com uísque. Topou a parada. Não demorou 2 minutos e entrou em convulsão. Ficou azul. Olhos esbugalhados. Babava e se debatia. Vestiu a roupa. Com uma toalha limpou as maçanetas das portas, o copo, as garrafas, a cômoda e descarga do banheiro, a torneira. Com ajuda da blusa abriu a janela para não deixar nenhuma impressão digital. Pulou a janela e foi para casa.

E quem encontrou todo alegre e faceiro? Beiramar, que latindo baixinho parecia dizer: Agora estamos vingados.

O relógio do celular marcava 24,48 quando ouviu os latidos de Beiramar. Latidos de aviso de pessoa estranha perto da casa. Não foi preciso esperar. Vozes chamando pela dona da casa. O que aconteceu? O marido da sua patroa morreu. Silêncio.

Foram até a casa da patroa. Lá estavam várias pessoas, que inconformados não sabiam o que fazer. Infarto? Derrame? Mal súbito? O que fazer? Chamar a polícia. Mas àquelas horas? Não se pode tocar no morto. O delegado chegou. Junto mais dois policiais. Fecharam à porta do quarto. Não demoraram muito. Causa provável: overdose de cocaína. Encontraram debaixo do travesseiro dez papelotes vazios de cocaína. A senhora sabia que o seu marido era viciado em cocaína? Não respondeu. O silêncio respondeu por si só.

Voltaram em silêncio. Abanando a cauda Beiramar ia à frente como que um batedor e sabedor do acontecido e do vingado.

O marido voltou. Agora com mais dinheiro iriam com a filha para cidade para comprar umas roupas e umas coisas para a casa.

Três meses se passaram. A casa foi vendida. Bom dia, como vão vocês? Estamos levando a vida como à vida quer. Vendi a casa. Aqui estão os salários de vocês. Não gostariam de ficar com algumas coisas da casa? Um jogo de sofá, da sala de televisão. Todos os jogos de pratos, talheres, copos, panelas, fogão a gás, forno de microondas e um montão de coisas. Economizaram bastante.

Novos donos, novos patrões. Um casal de meia idade. Duas filhas religiosas e um filho ordenado padre, há não mais de um ano. Família abençoada.

Sentadas na varanda, conversavam a respeito da vida, do acontecido com o marido da patroa. Interessante como ele foi morrer justamente no quarto de hospede e sozinho.

Pedagoga formada. Escola nova, patrocinada pelos novos moradores. Igreja nova. Pároco novo, filho dos novos moradores.

Interessante mesmo. Trocaram olhares que elas, só elas sabiam o significado.

Beiramar levantou-se, pediu um carinho e saiu correndo para a praia, era o patrão chegando com a pesca do dia.

E a vida continuou o seu curso.

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ROMÃO MIRANDA VIDAL
Enviado por ROMÃO MIRANDA VIDAL em 26/02/2011
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