Entre Fernandes

O sol já seguia seu rumo em direção ao crepúsculo. Era o anúncio de que, logo mais, todos partiriam.

O calor da fabrica de vidros fazia o mau humor do quase indígena, Henrique Fernandes, saltear dos nervos dele e tomar ali mesmo, uma forma viva. Os pingos de suor caminhavam pela enorme e cicatrizada testa do moçoilo, já mal visto por todos os operários. Os olhares de raiva e repugnância que lhe eram lançados durante todo o período de trabalho, recebiam em troca o reflexo deles próprios com uma intensidade muito maior. Mas este olhar multi-expressivo sempre parava diante de outro à sua altura que pertencia a certa loira tingida, que diferente de Henrique - que dava o acabamento nas peças de vidros – trabalhava na limpeza da sala do gerente daquele setor.

Ela, por vezes, só de implicância, passava naquela parte leste do setor de acabamentos trajando um uniforme já amarelo de tão encardido, apenas com a esperança de tirar a paciência de Henrique. Que como uma lesma de tão lento em raciocínio, sempre demonstrava o seu abuso ao ver a garota passar e seus colegas de trabalho começar a criticá-lo.

Nos momentos de saída, como este agora, os dois eram vistos juntos na mais descarada falsidade na relação afetiva de primos.

Os espectadores de esquina, que acompanhavam a saga dos sobrinhos de Dona Adelaide Fernandes, a benzedeira do bairro, ficavam incrédulos quando viam os dois saírem da fabrica juntos na maior normalidade, pararem no sorveteiro e comprarem dois míseros picolés de saco e seguirem para casa.

Henrique caminhou silencioso por entre os corredores de armários, onde os operários deixavam seus pertences, tentando segurar a raiva possessa que mais parecia uma fogueira esquentando sua cabeça e que bombeava com mais pressa o seu sangue. Não poderia mandar todos ali para o lugar merecido. Defendia com garras de leão o emprego tão sacrificante. Mesmo que ele servisse apenas para garantir o teto da casa de sua tia, morando com sua prima, mas era o que ele tinha e podia ter.

Tracejou o caminho de sempre na direção do portão de saída da fabrica. Onde um corpo um tanto torto o esperava impaciente.

Sirlene Fernandes, filha de uma prostituta que havia fugido de uma mulher traída pelo marido, e a primeira menina que Henrique fez mulher.

- Boa tarde... Priminho – disse Sirlene, irônica como sempre.

Olhando para os lados, verificando a solidão dos dois, Henrique murmurou:

- Guarde sua cortesia para aqueles que dão importância a ela.

Os cabelos maltratados, pelo excesso de tinta à base de formol, flutuavam na frente dos olhos firmes e irritados da moça, como uma cortina levada pela brisa de verão.

Alguma coisa naquele olhar fez Henrique voltar a quinze dias antecedentes. Exatamente no dia em que, como o povo dizia, estuprara a própria prima.

(...)

Chegara mais cedo em casa, a tia estava na cidade vizinha em busca da irmã que se descobrira prostituta depois de anos de convivência. Junto com esta “novidade” ainda lhe veio uma ameaça: a mulher do açougueiro, a qual foi traída afiava a cada dia suas facas, para que qualquer uma servisse no dia em que reencontrasse a mulher que desgraçara a sua família.

A prima saíra para trabalhar e apenas sairia de lá dali a duas ou três horas. Viu-se sozinho em casa.

Banhou-se e por estar em total liberdade não viu razão de se vestir. Ficou ali... Caminhando despido por toda a casa. Gostava da liberdade e do anarquismo por mais que pudesse desfrutá-los por poucos momentos. Foi ao bar da casa e abriu uma das garrafas do vinho envelhecido que a tia mantinha. Em apenas uma hora, duas das garrafas já estavam vazias. Henrique se encontrava deitado no sofá, já bêbado e falando ao telefone.

Falava alto, por vezes apareceu na porta do terraço, com a consciência completamente alterada. E continuava beber vinho, já não se importava com sua nudez. Sua imaginação fértil o levou à Manaus. Sentiu-se um daqueles macacos que não tinha vergonha de nada. Idiota como era, imitou ridiculamente os tais macacos.

Não se importou mais com a hora e conseqüentemente, sua prima chegou e o encontrou deitado no sofá. Ambos se encararam mudos. Lembranças da infância em que ambos se banhavam no mesmo espaço, e a inocência não abria vaga para indecência lhes flagrou a mente. Ele tapou o sexo com uma almofada e ela fez menção de sair da casa correndo. Contudo, por mais bêbado que estivesse Henrique, ele era ágil e conseguiu segurar a menina nos seus braços a tempo.

Ela estava tremula. Estava nos braços de um homem que já participava há algum tempo de seus sonhos e desejos mais incestuosos e cheios de luxúria, típico de uma garota naquela idade, filha de quem era.

O primo pedia desculpas e para que ela se acalmasse, sem noção de que estava roçando seu corpo no corpo da menina. Ela não se conteve, estava deprimida por conta da mãe, e desejava aquele homem. Bruta como um cavalo o beijou. Por instinto e excesso de álcool, Henrique se excitou, ficando rígido. Em meio à brutalidade selvagem que eles compartilhavam ali, ele rasgou as roupas da prima, ela queria ser domada como um animal desafiador. Juntos descobriam pouco a pouco o corpo do outro, ela descobria como era boa a sensação de beijá-lo, sentir a barba dele lhe fazendo cócegas na face. Ele descobria a excitação que um corpo virgem e nu lhe proporcionava.

Como conseqüência dos minutos seguintes às caricias excitantes e cada vez mais desejadas o tapete da sala ganhou uma mancha. O sangue do selo da virgindade de Sirlene havia escorrido por ela. Os jovens satisfeitos da experiência que tiveram sentiam-se particularmente superiores. Ela tinha perdido sua honra com um homem que agora podia amar, ele tinha honrado a sua sexualidade potente.

A porta se abriu, passos e gritos ecoaram pela casa. A tia de ambos chegara com suas amigas beatas e viram a cena. Sirlene de tão desesperada que ficou, correu para o quarto e lá se trancou.

No dia seguinte os boatos que mais se ouviam eram sobre o estupro. Ninguém se incomodou de denunciar Henrique, ele havia de ser linchado por seus próprios amigos.

A tia por todos os problemas que já passava, tentou forçá-los ao casamento. Mas agora, não conseguiam olhar um na face do outro sem que se repudiassem.

Ela por dizer que foi usada e por agora ser comparada com a mãe.

Ele por se dizer seduzido e ter ganhado uma má fama terrível.

(...)

Mas agora ali naquele momento, na presente e não nas lembranças malucas que o tempo lhe presenteou. Henrique se viu do nada rodeado por uns sete a oito brutamontes, todos armados com pedaços de madeira, corrente e barras de ferro.

Em um movimento, o operário da fabrica de vidros estava no chão apanhando. Meia hora depois foi deixado ali no chão, pensando que fosse morrer e querendo viver para mais uma vez, só por vingança fazer o que fez mais brutalmente com sua prima.

Luan Silva
Enviado por Luan Silva em 20/02/2011
Código do texto: T2804251
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