O CARAMUNHÃO DA GARRAFA...

Já era tarde da noite, o céu anunciava uma tempestade. A passarada e os pombos da praça deram de se esconder. O vento começava a assoviar e as árvores invergavam-se até o chão já coberto pelas folhas.

Era mes de Maio e esta era minha visão da janela de uma humilde pensão daquela cidadezinha esquecida pelo resto do mundo. Alíás, São João da Ponte Preta nem existia no mapa apesar de já ter sido emancipada há alguns anos. Eu, curioso curió, assim chamado pela minha mãe desde a infância, vivia em uma cidade cerca de 60 Km de São João da Ponte Preta. Corria um boato, que na cidade havia uma moça, pianista por vocação, que guardava um caramunhão dentro de uma garrafa. Alimentava o danado, acarinhava, fazia confidências e o colocava pra dormir junto ao pé de sua cama. No mes de Junho, sempre em noite de lua cheia, a moça pegava o dito cujo, escondia o danado em uma sacola fugindo dos olhares curiosos daquela gente e rumava para o lugar mais sombrio da cidade. Lugar cercado pela vegetação, que no mes de Junho se fazia imponente e ainda mais verde. Eu pretendia ficar naquela cidade até esse dia de lua cheia. Não podia conter a curiosidade. Como havia levado alguns catálogos de livros pra tentar uma venda, ( na verdade, eu, assim como a moça, era pianista. Neste caso, não por vocação, mas por insistência). Me passando por vendedor de livros, talves pudesse me aproximar da moça e assim fiz. Me lembro que havia levado um jeans já mais pra lá do que pra cá e uma camiseta bacana, presente de uma ex namorada. Tomei um banho de serpentina. Pra quem não conhece, banho de serpentina é um balde colocado no lugar do chuveiro com água aquecida pelo fogão à lenha. Pulava feito um cabrito por conta da quentura da água que mais parecia querer arrancar o meu côro, que me lavar. Mas enfim, consegui tomar meu banho. Coloquei água de cheiro que encontrei sobre a velha penteadeira, ajeitei os cabelos, peguei alguns catálogos e fui até a casa de estranheza. Povo maldoso da cidade! Chamavam-na assim: Estranheza. Fui tomando informação aqui, ali, até que cheguei à porta de sua casa. Voces não tem noção. Era o pior casebre do lugar. Fiquei quieto por alguns segundos, meio desconfiado, pra dizer a verdade senti um pouco de medo, mas eu tinha que fazer valer o apelido presente de dona Balbina minha mãe: Curió curioso! Bati à porta e aguardei sem saber o que iria dizer. Vendedor de livro tem um talento impressionante pra falar, mas eu não era vendedor de livros. Relaxei e deixei o coração falar. Estranheza abriu a porta lentamente e muito tímida. O seu olhar de espanto quando me viu, foi assustador. Fiquei imóvel e não conseguia dizer palavra. Estranheza correu para dentro do casebre, se agarrou à garrafa onde diziam ter um caramunhão e trouxe até mim. O espanto mudou de endereço e se instalou em meus olhos. Parecia piada, alguma bvrincadeira. Dentro da garrafa havia um boneco de pano e o rosto do boneco era o meu rosto. Fiquei sem entender. Bruxaria? O que o meu rosto fazia dentro daquela garrafa? Ela muito amável, obviamente depois do susto, pediu que eu entrasse. Sentou-se diante de um piano velho que mal cabia no casebre e começou a tocar uma melodia triste, que não sabia o motivo, me acompanha desde a infância...Que loucura! Entendi que a vida havia preparado um momento mágico, que até os dias de hoje, não pude compreender com clareza. Mas vi que estava diante do amor da minha vida. Vanda e eu nos casamos um ano após o primeiro encontro e somos felizes. Logo após a nossa união de almas, o caramunhão da garrafa como diziam, que de caramunhão não tinha nada, desapareceu. Guardamos até hoje a garrafa vazia...

Entrou por uma porta e saiu por outra.

Quem quiser que conte outra...

Aninha viola
Enviado por Aninha viola em 19/02/2011
Reeditado em 12/05/2013
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