O BOTECO DO MIGUELITO

O BOTECO DO MIGUELITO

(Levy Pereira de Menezes)

Miguelito era mineiro de Ponte Nova, mas criado no Rio de Janeiro, para onde foi ainda com tenra idade. Não tinha intenção de sair do Rio, mas um irmão seu, o mais velho, conhecido por Caminha, era Tabelião de Notas e Escrivão do 2º Ofício da comarca de Boa Vista, norte do Estado, e o trouxe para auxiliá-lo no Cartório, já que a cidade era carente de pessoal com capacidade para tal mister.

O tempo passou e Miguelito chegou à conclusão de que Cartório não era a sua praia. Entrou em entendimento com o irmão e saiu para tentar alguma coisa, já que gostara da cidade e nela pretendia se fixar.

Montou um boteco, o “Meu Cantinho”, na Avenida principal. Deu certo, uma vez que, em poucos dias, o local já era o mais freqüentado da cidade.

A sociedade é exigente, sabe o que quer. Portanto, a alta freqüência no estabelecimento comercial do Miguelito se justificava no fato de ser um ambiente limpo, extremamente limpo, lhaneza no atendimento e excelente qualidade dos produtos comercializados, além de preços razoáveis.

Certo dia, ainda na parte da manhã, entrou no boteco um rapaz, um forasteiro (os forasteiros são facilmente identificáveis em cidades pequenas), olhou para o Miguelito e começou a rir, rir descontroladamente. É que Miguelito tinha uma cabeçorra sem um fio de cabelo sequer. Passada a crise, o forasteiro, que era de Afonso Cláudio, soube-se depois, perguntou ao Miguelito:

-- O Sr. já passou graxa de sapato na cabeça ? – perguntou o desconhecido.

-- Não, por que? Faz nascer cabelo? – perguntou, inocentemente, Miguelito.

-- Não. Não faz – disse o desconhecido – mas dá um brilho danado.

Risos, pois nesta altura já estavam no estabelecimento outros fregueses.

A verdade é que Miguelito não gostou muito da brincadeira. Tomou uma certa antipatia do freguês desconhecido, mas manteve a calma e procurou não demonstrar qualquer desagrado, entrando no clima da brincadeira.

No outro dia, ao abrir o boteco, pela manhã, encontrou algo escrito num papel de embrulho, que deve ter sido colocado por baixo da porta. À medida que lia, empalidecia. Estava escrito:

Cabeça, que desconsolo!

Cabeça, é triste dizê-lo!

Por fora não tem cabelo,

Por dentro não tem miolo.

Foi aquele pilantra, só pode ter sido ele, pensava Miguelito. (Referia-se ao forasteiro). Foi aquele vagabundo que escreveu isso. Mas, aquele pilantra não tem cabeça para fazer uma quadrinha (acertou em cheio, pois a quadrinha realmente não era de autoria dele). Na primeira oportunidade vou à forra. Deixa ele comigo.

Lá pelas tantas, casa cheia, chega o forasteiro, alegre e fagueiro. Procura o canto do balcão, lugar preferido pelos freqüentadores de botequim, coloca o cotovelo direito em cima do balcão, onde encosta o corpo, e, com um sorriso cínico e olhar dirigido à cabeça de Miguelito, pergunta:

-- O Sr. tem pinga boa ?

-- Eu só vendo produto bom - respondeu Miguelito.

-- Me dá uma – pediu o freguês.

Miguelito pegou um copo, examinou-o e constatou que estava extremamente limpo. Serviu a calibrina e voltou a trabalhar.

O freguês, sempre vigiado disfarçadamente pelo proprietário do boteco, levantou o copo e jogou todo o conteúdo na boca e o engoliu, fazendo aqueles gestos que todos apreciadores de uma boa cana fazem. Virou-se para o lado esquerdo e deu uma cuspida, balançou a cabeça como querendo dizer que aprovou a qualidade da bebida e sentenciou: - é boa, muito boa. E jogou uma moeda de 50 (cinqüenta) centavos no balcão.

Miguelito, preguiçosamente, veio até o balcão, apanhou a moeda e deixou uma outra de 10 (dez) centavos.

-- O Sr. cobra 40 (quarenta) centavos por uma pinga ? Em todos os lugares nesta cidade cobram 20 (vinte)

-- Aqui também é 20. Os outros 20 (vinte) são em razão da cuspida que você deu no chão – disse o proprietário.

-- Tudo bem – disse o freguês. Neste caso o Sr. pode ficar com o troco porque eu dei um peidinho também.

levy pereira de menezes
Enviado por levy pereira de menezes em 02/11/2006
Código do texto: T279778