O Caso da Testemunha Arrolada
I
Vários colegas me contaram esta história, cada um de uma maneira bem particular. Entre eles, por exemplo, um diretor que atualmente se encontra exercendo as suas atividades na Capital. Afirmou-me esse servidor com toda a segurança que a mesma teria acontecido no fórum trabalhista da cidade de Curvelo.
Entretanto, encontrei uma série de diferenças e divergências fundamentais entre as várias versões do caso. Vou reuni-las num relato único para ver o que acontece.
II
A história é a seguinte: haviam se apresentado duas testemunhas no fórum de Curvelo. Uma delas viera arrolada pelo reclamante e a outra pelo reclamado. Entretanto – e sabe-se lá por que! - surgiu uma dúvida entre os procuradores e o juiz à respeito de qual testemunha viera depor por que parte.
À parte – aliás - dizia-se pela cidade que uma daquelas testemunhas – em verdade, a testemunha do reclamante - era uma senhora bastante pudica, dessas que muitas vezes designamos naturalmente pelo nome de “beata”. No bom brasileiro um dos significados de beata é “rata de igreja”, mulher religiosa e assaz assídua de cultos ou missas.
Entretanto, na hora em que as testemunhas iriam prestar os seus depoimentos, surgira outra dúvida entre os procuradores, esta agora relacionada a uma possível “amizade” ou “relacionamento íntimo” entre o reclamante e a citada testemunha.
A depoente - mulher muito simples - não estava compreendendo todo o teor daquela discussão. Mas sobre uma das palavras que ouvira ela não tinha dúvidas: entre outras coisinhas mais, estavam dizendo a todo o momento que ela havia sido “arrolada” pelo reclamante. Além disso, compreendera também que alguém dissera ser possível que ela e o reclamante houvessem tido uma amizade e um relacionamento íntimo.
Se o leitor suspender por um momento a leitura do presente texto e se dispuser a procurar o significado da palavra “arrolar” em qualquer um dos nossos bons dicionários, vai achar a seguinte resposta: “colocar no rol ou em uma lista”. No sentido jurídico, entretanto, aquele termo nos remete de imediato à petição da parte onde esta identifica e informa ao Juízo acerca do nome das testemunhas que deseja sejam ouvidas.
III
No entanto, logo que o meritíssimo solicitou que aquela senhora se assentasse diante dele e lhe afirmara categoricamente que ela havia sido “arrolada” pelo reclamante, o rosto da mulher se tornou rubro de vergonha.
Então - num repentino acesso de raiva - ela respondeu:
- Olha seu juiz: até que “arrolada” eu já fui mesmo. Mas foi só umas duas vezes até hoje. E mesmo assim não foi pelo reclamante não!
Entretanto, virando-se na direção da outra testemunha, completa a mulher o seu “depoimento”:
- Agora, aquela ali – continuou a mulher virando-se na direção da outra testemunha - aquela ali só sabe mesmo é ser “arrolada” dia sim e no outro também. E não é só pelo marido dela não: costuma também levar umas “rolas” do patrão, do gerente e de um tal de...
Mas o resto – meus prezados amigos – deve ser exatamente como nos diz Érico Veríssimo: o resto é silêncio!