Zé - o cromo

O que têm em comum uma oliveira, um pé engessado, uma bicicleta, uma ladeira e um rio? Á primeira vista nada, são apenas cacos da vida de uma personagem que apresentei pela primeira vez em meu texto anterior sobre a família da Carolina. É aqui que aparece com maior destaque o Zé da Carolina, o tal da cara feia... Sempre que ele me trespassa em minha mente sinto arrepios de riso, é daquelas figuraças que constarão sempre do livro dos cromos da aldeia, não qualquer cromo, ele era o senhor cromo (Pessoa que tem um comportamento considerado estranho ou ridículo). A ele tudo um pouco lhe acontecia, parecia até castigo, quando se recuperava de uma, já outra desgraça lhe estava batendo á porta.

A primeira situação que irei expor aqui aconteceu durante a apanha da azeitona em pleno mês de Dezembro, ele subiu na Oliveira, como sempre fazia, pegou na vara, um pé mal colocado, um tronco escorregadio pela geada, e “zaz”... “catrapumba”... lá vem o Zé abaixo... no meio da queda ainda diz - “caraio que me vou” - Sim, ele foi... parar ao hospital com uma enorme fratura no pé direito. Gesso nele e lá vai ele para casa. Escusado será dizer que Zé estava tão feliz por ter aquele amontoado de gesso em seu pé que no imediato tentou escrever seu nome nele, mas sua aptidão para a escrita era pouca ou nenhuma para sermos mais corretos. Ainda assim, ele pensou que era capaz de escrever um poema... hum!!! Mas o melhor que conseguiu fazer foi gravuras rupestres para sua amada. Será que ele tinha amada? Bem... talvez!!! Ora se para muitos ter um pé partido é um incomodo, para este rapaz era uma “benção”. Uns dias em casa bastaram para ele se recompor, logo depois já minha vizinha Gertrudes, espantada e limpando os óculos, o via andar de bicicleta, perdão, a bicicleta andando nele... como assim? A bicicleta usava o gesso do pé para travar, é que a bicicleta não tinha travões.

Até aí tudo bem, mais queda menos queda não fará grande diferença, mas Zé era ousado, ele queria o impossível, e isso significava jogar-se por uma ladeira íngreme com aquela bicicleta velha, que mais parecia um cavalo manco. O leitor deve estar a pensar - que sujeito tão doido, ele era. Não duvidem disso, era completamente nonsense. Tanto é... que até aposta ele fez com seu irmão. Apostou a um garrafão de vinho que era capaz de tamanho desafio. Não sei se estão imaginando a cena, mas ela é de bradar aos céus, senão vejamos...:

Mal a bicicleta começa rolando pela ladeira abaixo, Zé começa pensando na grande burrada que estava prestes a fazer, o veículo embalou de tal forma que naquele instante nem Deus lhe valeria – Zé estava por conta própria, e isso era tão terrível... até me custa dizê-lo – ele sempre foi um ser periclitante, um comboio sem freio, um homem que vive com um revólver apontado á cabeça, mas por quê? Que mal a vida lhe fez? Se é que alguma vez a vida o atazanou!

O desespero era notório em seu rosto - ele gritava – “pára fia da truta”... pára, pára... - Vai mesmo parar, ai se vai!!!

Uma pedra saída no meio do percurso faz com que a bicicleta comece aos ziguezagues, Zé olha para todos os lados, e do nada avista o padre da aldeia que andava visitando os terrenos que herdou dos seus fiéis.

- Ele grita - me acuda senhor Padre, eu tenho as cotas em dia. O padre tirou seu caderninho do bolso do casaco {devagar devagarinho} e começou fazendo uma busca pelo nome do Zé, jamais faria uma reza sem comprovar a veracidade dos fatos. Dá vontade de dizer - que raio de padre, interesseiro de uma figa. [É por estas e por outras que perdi minha fé].

Zé continuava pedindo... e o padre nada, até que lá bem no fundo do caderno, o senhor padre avista o nome do dito cujo como sendo um dos devedores da premissa que todo o fiel tem que pagar à igreja; isso o colocou numa situação de profundo conflito: rezar ou não rezar, orar ou não orar, ajudar ou não ajudar...

{Enquanto o padre não se decidia, toda a cena foi caminhando em slow motion, era preciso de tempo, e por isso, eu me prontifiquei para dar uma mãozinha ao Zé nesse quesito}. Carreguei no controle remoto e a cena abrandou de tal forma que quase que a bicicleta pára, mas não parou... ela continuava, rápida como um foguete; nisto o padre diz – que se lixe, vou rezar três Ave-Marias, dois pai-nossos e um Credo.

- Credo digo eu – falou Zé num tom impaciente.

A reza comeeeeeeça... e ao mesmo tempo a bicicleta se dirige fatalmente para o precipício que dava de caras para o Rio Mondego. Esperemos que o rio não esteja congelado, pois não me apetece ver Zé fazendo patinagem artística com aquele patim de gesso, que dada a sua utilização está ficando carequinha.

A poucos metros do abismo, o desespero toma conta dele por completo, o retrospecto de sua vida se inicia... O cronometro não pára, a bicicleta também não, dava a idéia que ele estava conformado com o seu fim. Nesse momento as lágrimas vieram-me aos olhos, senti pena dele, sempre que o encontrava pelas ruas estreitas da aldeia lhe dava os bons dias, e ele respondia-me com um sorriso que lhe rasgava o rosto todo.

- Oh Zé, Zé, Zé... que grande maluco me saíste.

Já ele - diz - se é para morrer, então que eu morra com dignidade - colocou seu coração a largo, “escreveu seu bilhete de suicídio”, e falou para o Padre – se não me salvar, lhe juro por tudo quanto é sagrado que não mais nenhum membro da minha família pagará suas contas. Seu traste, e mais... anunciarei, alto e bom som, para todos os aldeãos que o padre (católico) tem uma filha da empregada.

- O padre responde - está chegando a tua hora meu filho, que Deus te abençoe. A sua também senhor padre, me aguarde... Num último suspiro, Zé balelas decidiu dar tudo que tinha para parar aquele veículo desgovernado, pé a fundo no “travão”, e eis que a bicicleta se enrola no ar levando consigo o monstro; entretanto, ele só tem tempo de dizer o seguinte: “I can fly but I can't swim...” tumba… Zé voou até ao rio, por sorte a água estava fria não congelada, e daí saiu ou não saiu... estou confuso!? Muito confuso, tão confuso que ainda estou tentando escolher o melhor fim. Vou beber um copo de água e volto já.........raiz4........=2, dois fins, qual deles escolher? Ver Zé afogado ou vê-lo salvo com seu pé re-partido? Uma vez que não gosto de fins tenebrosos e contrariando a reza do padre, vou optar por enviar Zé para o Hospital da Cruz Vermelha com nova fratura no pé. O gesso? - Esse já era, depois de entrar na água, o resto que sobrou se decompôs.

Chegado ao hospital o médico lhe perguntou – O que se passou Zé?

Ele, meio que combalido - disse - nada, simplesmente nada. Fui pescar e escorreguei numa rocha, o raio do peixe era tão grande que me empurrou, e ainda rezou por cima de mim... O resto vocês já sabem.

- Sim Zé, nós sabemos. Mas não recomendamos!

- Amém.

PS: Neste preciso momento vocês devem estar se perguntando - afinal quem salvou Zé do afogamento? Foi sua amada, quem mais poderia ser? Maria Graciette, que aquando do mergulho do Zé, ela se encontrava lavando lençóis nas margens do rio. Dois lençóis atados serviram como corda para puxar Zé do meio do furacão.

- Ele saiu, eu também.

Jvcsilva
Enviado por Jvcsilva em 08/02/2011
Reeditado em 09/02/2011
Código do texto: T2779956
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