Antes que derreta
Em uma tarde de muito calor, estava com minha namorada em uma sorveteria do meu bairro. Enquanto conversávamos fui interrompido por um garoto negro, franzino de roupas largas e de olhos com o fundo amarelado. O garoto puxou a manga da minha camisa e disse:
- Moço, me da um trocadinho?
Não gostava de dar dinheiro pra essas crianças, pois geralmente existe um adulto aproveitador por traz delas. – Não tenho rapazinho.
- E um sorvete, eu posso pegar?
- Claro! Você quer de que sabor? Pode ser duas bolas?
Enquanto o garoto escolhia, minha namorada aguardava sentada. Os olhos do menino brilhavam diante das cores da alegria.
Quando finalmente ele escolheu, eu chamei o atendente e esse me ignorou e virando de costas foi falar com alguém. Logo chegou o suposto dono, um homem grandalhão, careca e de traços rudes se aproximou e pediu para o moleque se retirar. Estranhei sua atitude e disse:
- Não tem problema, o garoto está comigo.
- Ele tem que se retirar imediatamente.
- Mas ele não vai se retirar…
- Você tá doido, por que você não pega ele e o resto desses moradores de rua e leva pra sua casa. E aproveite pra sustentar todos eles.
- Meu senhor, diante de seus comentários eu vou embora e não piso mais nesse estabelecimento. -
-Pois não volte mesmo. Não faço questão nenhuma. Adeus!
Minha namorada com um olhar em chamas logo se levantou, respirou fundo e disse:
- Vamos embora desse lugarzinho.
Balancei a cabeça, chamei o moleque e saímos os três.
Eu estava revoltado. Prestes a fazer alguma besteira. Pensei em voltar lá e dizer umas boas verdades… Quando olhei para o garoto, ele nem prestava atenção. A única coisa que enxergava na sua frente era o colorido napolitano derretendo em suas mãos.