O Caso da Amizade Íntima

I

É comum que os juízes recém nomeados passem os seus primeiros anos na magistratura viajando, atuando e habitando em vários municípios do interior do Estado antes de se verem lotados numa cidade de porte médio ou grande. Algumas vezes eles se vêem beneficiados durante certo tempo – normalmente um período bastante curto - no qual permanecem trabalhando em cidades mais próximas da Capital, como Nova Lima, Sabará, Santa Luzia ou Conselheiro Lafaiete.

Noutras ocasiões, entretanto, o destino não se lhes apresenta de uma forma tão favorável e amiga: muitas vezes vagueiam de um ponto a outro de Minas Gerais como se estivessem participando de uma extensa romaria: percorrem um rosário de cidades bastante distantes e distintas entre si.

Como conclusão, nessas andanças esses novos juízes acabam por conhecer uma grande parte dos municípios mineiros, tudo conforme as determinações e as necessidades do Tribunal. Montes Claros, Pirapora, Almenara, Monte Azul e Januária são exemplos de algumas cidades localizadas no norte de Minas; e Ituiutaba, Uberlândia e Araguari são outras que se situam ao leste.

II

Quando de suas andanças e judicâncias pelo sertão de Minas Gerais, tinha certo juiz o costume de perguntar inicialmente para as suas testemunhas se elas mantinham algum tipo de amizade ou relacionamento íntimo com o reclamante.

Entretanto, sabe-se que nessas regiões do interior de Minas - lugares muitas vezes de clima semi-árido e sentimentos bastante arcaicos - o homem é antes de tudo um “cabra-macho”, o peão duro e ressecado dos sertões. Parafraseando Euclides da Cunha, poderíamos dizer que o mineiro é antes de tudo um forte.

Como não poderia deixar de ser, houve um sem número de ocasiões em que o juiz fez aquela referida pergunta em audiências nas quais a testemunha e o reclamante eram homens. Numa daquelas vezes, porém, um desses cabras-machos das Minas Gerais pediu a palavra ao juiz e discursou:

- Seu Doutor, aqui na minha terra não se pergunta a um homem se ele tem ou não tem amizade íntima por outro. E esse negócio de relacionamento, aliás, é coisa que só deveria existir entre homem e mulher! Desse jeito o senhor acaba nos criando um problema, um problemão! Agora, que eu e o Zé somos amigos, lá isso somos mesmo! Ou lhe passou algo mais pela cabeça...?

...

III

Desse dia em diante o referido juiz nunca mais tornou a interpelar tão diretamente qualquer uma de suas testemunhas quanto a uma possível amizade ou relacionamento íntimo que tivesse com uma das partes. Concluiu aquele meritíssimo que não mais deveria fazer perguntas daquele tipo enquanto estivesse atuando no sertão de Minas Gerais.

Então – todas as vezes que se encontrava diante de uma situação como aquela - o juiz passara a se utilizar de uma ou várias fórmulas para poder definir para si o grau do relacionamento ou a suposta amizade íntima existente entre uma das partes e sua testemunha, tais como:

- O senhor é amigo ou conhecido do reclamante? – se acostumara o juiz a perguntar inicialmente.

- Tem algum grau de parentesco com o mesmo?

- Freqüenta-lhe a casa?

- Por acaso o reclamante é padrinho de algum dos vossos filhos ou vice-versa?

E, finalmente:

- Costuma o senhor se encontrar com o reclamante (ou com o reclamado, dependendo no caso em questão por qual das partes viera depor a testemunha) para realizarem juntos algum tipo de negociação, pescaria ou caça?

Pois é! Minas é assim mesmo: são muitas e várias e belas.

E uma delas cabe com certeza no seu coração!