O nascer de um mito

Como nascem os mitos? Você se pergunta. Porém, não há respostas. Muitas vezes podemos concluir que nascem como nasce todo mundo, ou quem sabe como as estrelas, que você nem a vê, mas ela já está lá, e que quando morre, você ainda a admira por muito tempo. Foi assim com Agamenon Porfírio da Silva Júnior. Todo mundo deve estar se perguntando, quem diabos é Agamenon Porfírio da Silva Júnior? Se eu disser Lara muita gente vai dar pulos de alegria gritando:

- Eu já sabia. Só não sei por que um cara com esse nome colocaria no filho o mesmo destino.

Ou não. Essa história é antiga, lá dos anos 50. Tinha um time de futebol da capital do Rio Grande do Sul, fundado em 1940, por Agamenon Porfírio da Silva, o CAS, Clube Atlético Salustiano, que ganhara esse nome em homenagem ao pai dele. E foi seu único presidente. O sonho de Agamenon era ver seu filho jogando e marcando muitos gols pelo seu estimado time.

Na década de 40 o mundo era sacudido pela segunda grande guerra, e o estado do Rio Grande do Sul era patrolado pelo segundo time no coração de presidente do CAS, o famoso Rolo Compressor do Internacional. Para Agamenon a história seria outra a partir de 1945, não só porque findava a grande guerra, mas por que Agamenon Porfírio da Silva Júnior finalmente jogaria pelo CAS. Sorte mesmo era que não havia narrações esportivas, pois o jogador seria a tragédia dos narradores, primeiro por que era muito ruim, e segundo, era para dizer o nome inteiro do craque sempre que citasse uma jogada dele. Menos mal que não haviam jogadas para falar o nome dele.

O time ia de mal a pior, só perdia. Muito provavelmente seus 5 torcedores fiéis nem soubessem comemorar uma vitória, quiçá um titulo. Quando em 1952, uma jogada fortuita mudou o rumo da história do time e de Agamenon Porfírio da Silva Júnior, o goleiro Maracá, se lesionou, e o técnico não podia colocar em campo o goleiro reserva. As substituições só seriam impostas ao futebol anos mais tarde.

Naquela tarde, diriam os três torcedores que ainda restavam ao CAS, viram o nascer de um mito. Agamenon Porfírio da Silva Júnior fechou o gol, como se diz na gíria dos boleiros. Não sairia mais do gol dali em diante. Não queria ser chamado de goleiro, mas continuar sendo chamado de Atacante, sua posição de origem, sua tese era bem simples, agora ele “atacava” os gols. E resolveu trocar seu nome, para Lara, somente para causar um primeiro infarto no seu pai.

Colorado doente, sem trocadilhos pelo fato de estar num hospital, Agamenon Porfírio da Silva aceitou que seu estimado filho trocasse o nome amado de Agamenon Porfírio da Silva Júnior, por Lara, o lendário goleiro do tricolor dos Pampas, time esse que Agamenon só dizia “os outros” para não ousar falar a palavra Grêmio.

Nos próximos 3 anos, não houve quem ficasse de pé diante do CAS, o time patrolou todo mundo, e no ano de 1955, a decisão do campeonato da cidade se dava diante do seu maior rival do futebol amador, o SAJA, Sociedade Amigos da Juventude Acumulada, da Zona Sul. Foi um jogo lutado até o último minuto, o empate em 0 a 0 dava o titulo ao CAS, mas a vitória do SAJA seria fatal para eles. Brigas e discussões já eram folclóricas entre os times, o CAS era tricampeão, ganhara a taça em 52, 53 e 54, com o SAJA sempre de vice.

A chance de fazer história e ser o primeiro tetracampeão da cidade, que mobilizara todo o Bairro, começou a se perder aos 52 minutos de jogo, quando o arbitro assinalou um pênalti contra o CAS. No centro do gol Lara, ex - Agamenon Porfírio da Silva Júnior, que nunca sofrera um gol em toda sua carreira de goleiro, levaria seu primeiro gol, e perderiam o titulo? Já que na marca do pênalti a bola passivamente esperava o pé do artilheiro matador, Pimpão.

Momentos decisivos, Lara olhava fixamente para Pimpão, o artilheiro dos 2.865 gols, contra o “atacante” dos 0 gols. Maldição. Em 7 anos como jogador de linha nunca marcara um gol sequer. Porém, no gol não levara nenhum também. Na arquibancada seu pai Agamenon Porfírio da Silva, presidente do CAS, estava pronto, parecia que era ele que estava defendendo o pênalti. Pimpão partiu pra bola e chutou seco. À medida que bola ia se aproximando do gol, a torcida toda levantava.

Quando a bola morreu nas luvas do goleiro Lara, a metade da torcida gritou:

- ÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ...

Outra metade gritou:

- UUUUHHHHhhhh!!!

E foi murchando. Alguns na arquibancada gritaram:

- AGAMENOOOOONNNNN!!!

Lara levantou com a ajuda de muitos torcedores que adentraram ao gramado para carregá-lo nos braços, quando ele viu seu pai caído na arquibancada. Estava morto. O coração não agüentou a emoção de ver o filho se tornando um mito e defendendo pênaltis e parou.

Encerrou-se ali a saga do CAS, Agamenon Porfírio da Silva Júnior, decidiu não assumir o time, bem como fechar as portas do clube, encerrou a carreira. Todo mundo lamentou a decisão, afinal, um goleiro renomado, com 28 anos, clubes grandes interessados no seu futebol, inclusive o Real Madrid da Espanha, parar de jogar?

O que poucos sabiam, é que Agamenon Porfírio da Silva Júnior, sempre detestou futebol.