O ANGICÃO

Eu tinha uns oito anos de idade, vivíamos no sítio de nossa propriedade, ao fundo do vale, o rio do Corvo que servia de fronteira entre o Município de Terra Rica e Diamante do Norte no estado do Paraná.

Como era costume naqueles tempos, papai desmatou a cabeceira do sítio, deixou um capão de mato de uns três alqueires no meio e desmatou próximo ao rio, onde instalou nossa casa, isso, porque facilitava o acesso à água, elemento fundamental para homens e animais.

Com o passar dos anos e com a necessidade de aumentar a área de plantio, resolveram derrubar o resto de mata virgem.

Papai reuniu os mais velhos como o já saudoso Paulo, o Tião,o Dé, e o Chico, além de recrutar mais alguns vizinhos como o Dão mineiro, Teté, Pessegueiro, Goiabeira, Adé e o Pitanga, era uma turma considerada boa de machado e de traçador.

Lembro-me bem, que nessa mata tinha uma enorme árvore, que eles chamavam-na de “angicão”, acho que ela tinha aproximadamente uns quarenta metros de altura e um diâmetro de dois metros na altura do peito, só sei que olhando sobre a copa das árvores, se percebia que ela ultrapassava as outras, praticamente o dobro. E olha que existiam enormes perobas!

Os derrubadores de mato quando encontrava uma árvore muito grossa, eles preparavam para derrubá-la o que eles chamavam de “quadra”, mas nesse caso, mesmo formando a “quadra” rejeitaram o serviço, pois alegaram que demorariam quase um dia para executar o serviço.

Terminada a derrubada, e como era comum, para limpar a roça usava-se o fogo (infelizmente). Ateado fogo, as labaredas lamberam em poucas horas milhões de vidas que dependiam daquele ecossistema, nem o “angicão” que foi deixado de pé, resistiu ao fogo, ele ficou agonizando por uns trinta dias mais ou menos, até não aguentar mais e cair.

Nós crianças, alheios ao desastre ecológico que se configurava, esperamos ansiosos até ouvir o barulho do “angicão” se despencando do alto de seus quarenta metros e se espatifando no chão. Quando ele caiu, juntamos os coleguinhas vizinhos e corremos para ver o gigante abatido. Lá estava um corpo estendido no chão, e na sua agonia ainda pudemos constatar que ele abrigava e tentou proteger até aquele momento, seis colméias, além de ninhos de carcarás, papagaios, saruê e sabe-se lá quantos microorganismos tão essenciais à vida.

Não sei se é uma característica dessa madeira ou se é por vingança, o fato é que as enormes raízes ficaram queimando chão a dentro por vários dias, não sobrando nenhum vestígio de seus restos mortais, não deixando ao homem a possibilidade de se vangloriar de sua obra macabra.

Todo fim de ano é assim, vem as lembranças do “angicão”, pois quando ele ainda estava de pé e ardendo em chamas, durante as noites escuras iluminava ao longe, e de conlúio com o vento, pipocava em faísca, parecendo a queima de fogos de artifício. Talvez, chamando a atenção do mundo para sua agonia.

Las Vegas/Silvestre

Las Vegas e Silvestre de OLiveira Neto
Enviado por Las Vegas em 31/01/2011
Reeditado em 30/01/2015
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