A enxurrada

Madrugada de domingo, 18 de janeiro de 2004. A pequena cidade de Caetano Maia dorme e sonha com chuvas de verão e um inverno farto na lavoura, mas as três da matina o sonho transforma-se em pesadelo.

Acordo assustada com gritos, olho o relógio sobre o criado mudo ao lado da minha cama e comprovo o inesperado da hora e o fato de estar sozinha em casa. Amedrontada olho o ambiente a minha volta, o quarto parecia ainda maior, a casa um castelo assombrado. Fiquei perplexa em baixo dos lençóis por alguns minutos, depois tomei uma atitude. Levantei, aproximei-me da janela entreaberta, puxei um pouco da cortina e lá estava uma multidão agitada, correndo em direção a ponte e gritando.

- Acordem! Vem ver, a ponte quebrou!

Chovia muito, relâmpagos cortavam o céu, trovoes faziam um barulho horrível. Em minha angustia sentia-me presa em um filme cômico-trágico, não sabia se sorria da loucura das pessoas correndo pela rua na maior festa, em meio aquela tempestade ou se chorava de medo de estar sozinha em meio aquele temporal no qual minha companhia eram um livro e um caderno de cabeceira, além da luminosidade que invadia o quarto através da janela.

Voltei prá cama, mergulhei entre os lençóis e adormeci!

Acordei com o alarme do despertador as seis da manhã, precisava viajar para Ribeirão, ir ao encontro da minha família que esperava-me para as festividades religiosas daquele lugarejo. Quando sai de casa ainda chovia. Fui até o ponto, peguei o transporte e dirigir-me rumo a saída da cidade, mas, a ponte havia desaparecido; em seu lugar surgiu um rio.

Havia uma multidão se formando ES margens daquela imensidão de água, pessoas de diferentes credos, etnias e classe social formavam uma só corrente de solidariedade lutando prá ajudar os moradores da “Rua da Ponte”.

Desci do transporte protegendo-me com um guarda-chuva, e olhava aquela confusão, perplexa com os estragos causados pelo temporal. Foi naquele momento que meu amigo Emilio aproximou-se de mim e começou a contar-me a tragicomédia vivida pelos moradores da “Rua da Ponte”, naquela madrugada. Fiquei parada olhando o movimento. Passavam adiante de meus olhos troncos de arvores, galinhas, colchão, cadeiras, até um vaso sanitário foi visto flutuando sobre a água.

Foram se juntando a mim e Emilio outros conhecidos. Um chegou contando que a água havia levado até a cama de Seu Cristovão enquanto ele dormia, e acabou se parando no meio daquele imenso rio que se formou! Logo depois chegou um louco político gritando em alto e bom tom:

- Bem feito prá esses descarados que fizeram as casas bem perto da ponte. Queriam ser levados pela enxurrada mesmo. A culpa é deles e não do prefeito que não aumentou o tamanho da ponte.

Ficamos calados escutando! Quando o infeliz viu o prefeito do outro lado da rua conversando com o povo, saiu “esbaforido”, sem se quer pedir licença ou despedir-se, foi cumprir sua principal tarefa “puxar saco”.

A cidade havia se tornado uma ilha, os habitantes incomunicáveis do resto do mundo, sem telefone, internet, celular e até a energia se foi devido ao temporal, sem barcos que os levassem a outra margem da estrada, fizeram da ponte um lugar turístico; via-se todo tipo de gente admirando as conseqüências de um fenômeno natural tão desejado “ As chuvas de verão”, que nesse dia tornou-se um exagero.

Alguns minutos ali parada e lá vem um sacristão fanático dizendo:

- A profecia do Senhor está se cumprindo, morreremos afogados como diz no antigo testamento.

A confusão aumentava a cada momento. Era gente clamando ao Senhor, falando que não iam mais pecar, que as perdoassem daquele ato pecaminoso que havia acontecido na noite anterior!

O povo ia se juntando e acreditando nas palavras do sacristão e começavam a soltar os “podres mais podres que alguém pudessem saber” .

Enfim, sentia-me num filme holivoodiano terror, comedia, revelações, atos, figurantes e com um excelente enredo – A chuva não passava; a ponte submergida pelas águas- E flashes e mais flashes surgiam das maquinas de fotógrafos amadores ou profissionais que faziam a primeira cobertura do ano em Caetano, a enxurrada.

Deise Alves
Enviado por Deise Alves em 27/01/2011
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