A cabrita mentirosa

O Doutor Rufino, dono da Fazenda Gerânios, passou quase todo o mês de agosto estudando um livro sobre as técnicas de ventriloquismo. Sempre teve paixão pela arte de fazer os objetos e os bichos falarem através da simulação utilizada pelos ventríloquos. Assistira a um filme onde um camarada se divertia usando esse truque para assustar as pessoas. Desse dia em diante colocou na cabeça que se tornaria um perito nessa arte. Depois de estudar com afinco todas as técnicas que o livro lhe proporcionara, viajou para São Paulo onde tomou mais algumas aulas com um especialista indicado por um amigo. Após duas semanas aprendendo todos os macetes necessários para exercer a nova atividade, retornou para a fazenda todo feliz já imaginando a cara de espanto que seus empregados fariam quando vissem os bichos conversando com ele.

Assim que chegou encontrou com o Toniquinho, um rapazinho de mais ou menos 17 anos, filho do capataz e que ajudava em alguns afazeres da fazenda. Toniquinho, assim que avistou o patrão chegando, correu em direção ao carro para ajudar a descarregar as malas. Dali, onde o Doutor Rufino parou o veículo, até a Casa Grande dava uns duzentos metros, e o Doutor Rufino, não querendo perder tempo em testar as suas habilidades como ventríloquo, aproveitou-se da ingenuidade do rapaz e começou a inventar uma história meio doida.

----Toniquinho, se eu te contar um segredo você jura que não conta para ninguém?

----Ara, que segredo é esse Doutor Rufino?

----Você acredita que de uns tempos para cá os bichos aqui da fazenda deram de conversar comigo?

O rapaz olhou meio desconfiado para o Doutor Rufino e retrucou:

----Doutor Rufino, com todo respeito que eu tenho para com o senhor... mas bicho falar? Isso é coisa de doido!

----Ah, você não está acreditando? Acha que eu estou ficando doido né? Pois então venha comigo que vou lhe mostrar!

Doutor Rufino aproximou-se de uma vaca que pastava próximo ao carro e chamou o Toniquinho.

----Venha ver se estou ou se não estou falando a verdade!

Toniquinho se aproximou.

----Dona vaca, o meu amigo aqui não está acreditando que a senhora conversa comigo!

O Doutor Rufino usando das artimanhas que aprendera respondeu, fingindo ser a vaca quem falava:

----(Oi Doutor Rufino! Como foi de viagem)

O Toniquinho arregalou os olhos e deu um pulo para trás. O Doutor Rufino, é lógico, segurou-se ao máximo para não se estourar de rir ao perceber a cara de espanto do pobre rapaz.

----Tá vendo só? Você insinuou que eu estava ficando louco? Os bichos conversam ou não conversam comigo?

----Minha Virgem Maria Santíssima! Isso só pode ser coisa do diabo! –Gritou o Toniquinho.

----Que coisa do diabo o quê! Isso é coisa de Deus! Ele deu o dom da fala para os bichos da minha fazenda! –Retrucou o Doutor Rufino- Eu agora vou saber quem é que anda fazendo coisas erradas por aqui. Eu já fiz um trato com os bichos: eles vigiam vocês para mim e em troca eu dou do bom e do melhor para eles comerem. Quer ver só uma coisa?

----Dona Vaca, o Toniquinho anda fazendo coisas erradas por aqui?

.... (Eu ainda não presenciei não Doutor Rufino, mas pode ficar sossegado, se ele aprontar alguma coisa eu te conto!)

----Tá bom Dona Vaca muito obrigado!

O Doutor Rufino virou-se e apontou para um burrinho que estava mais abaixo.

----Vamos lá conversar com o Burrico!

Aproximaram-se do burrinho e o Doutor Rufino perguntou:

----Burrico, você tem notado se o meu amigo aqui tem feito coisas erradas ultimamente?

E o burrinho, com a voz emprestada pelo Doutor Rufino, respondeu:

.... (Não Doutor Rufino! Não notei nada de anormal por enquanto! Mas caso eu veja pode ter certeza que lhe conto!)

O Doutor Rufino, controlando-se para não rir diante do olhar atônito do rapaz, continuou andando em direção a casa situada mais acima de onde estava, acompanhado de perto pelo rapaz que, assustado e sem entender direito o que realmente estava acontecendo, permanecia calado diante de tudo aquilo.

----Parabéns Toniquinho! Pelo jeito você tem andado na linha! Pelo menos é o que os bichos estão dizendo! E é bom continuar assim, pois caso contrário eles me contarão!

Já ia dispensar o rapaz quando uma cabrita saiu correndo de traz de um arado, próximo ao portão, e aos saltos veio em direção a eles.

O Toniquinho, tão rápido quanto a um corisco, pulou na frente da cabrita, e antes mesmo que a bichinha se pronunciasse ele já gritou:

----Doutor Rufino não acredita nessa cabrita não! Essa sem vergonha é o bicho mais mentiroso que tem aqui na fazenda!