A HISTÓRIA DE DOIS BUGRES
Às vezes quando estou tentando escrever um livro tendo a inventar para a história ficar mais interessante, mas digo aos leitores do RL que esse caso é verídico e aconteceu a menos de três quilômetros de onde moro, no final de 20l0. Parece uma loucura e não o é.
- Bão cumpade?
- Bamo levano.
- Acabou as férias, hein cumpade.
- Agora nóis tem que trabaiá nesse solão.
- Tão falano que o Santo Antonho tava pricisano fazê uns casamento, antão foi atrás do São Pedro que vortô correno das férias e fechou a torneira que o São Benedito dexava aberta.
- Mais qualé as nuvidade?
- Cê cunhece aques dois Gaspar que mora lá no arto da serra do Branquinho?
- Teve uma veiz que comprei uma vaca parida praqueas banda e vi os dois no meio do mato, cum coisa que tava cum medo da gente.
- Puis antão, ês vive inté hoje cumo bugre.
- Brinca não cumpade? Quesse dizinvorvimento tudo?
- Mas parece que a vida dês tá cumeçano a miorá.
- Cumo cumpade?
- Diz o João Taliba, qué parente dês lá do lado dos avô, que es tinha uma irmã mais nova que foi trabaiá de doméstica lá pás banda de São Paulo e se deu bem. Casô, teve um fio que se formô pra doutô, que dispois de formado e ganhá lá os troco dele, está vino aqui pra tentá miorá a vida dos tio bugre.
- Moço bão, hein cumpade?
- Se é. Conheço fio que dispois de se dá bem na vida deu foi banana pros pai pobre.
- Mais conta aí.
- Puis é. Diz o João que uns mêis atrais o rapaiz chegô cum trator de estera fazeno istrada, terraplanage no meio daquele mato...
- Os dois bugre num acho ruim não?
- Diz o João que no primeiro dia avançaram pra cima do maquinista cum coisa que fosse o capeta.
- Cumo é que feiz pra acarmar es?
- Diz que o rapaiz vortô lá na SP e troxe a mãe pra acarmar os dois.
- Deu certo?
- Diz quês ficava iscundido dento da cabana de sapé dia intero. Só saía de noite quando acabava o movimento.
- Antão o sobrinho féis mais coisa?
_ Feis foi tudo cumpade. Feiz casa, pois luiz elétrica, água incanada, instalação sanitária...
- E os bugre mudô pra lá?
- Diz que o moço teve de vortá lá em SP pra trazê a mãe de novo e convencê es morá na casa proque es tava achano aquilo coisa do capeta caquela claridade.
- Antão teve fui munto dos bão cumpade! Miorô a vida daques coitado.
- Cabô não cumpade.
- Vai falá que dispois dês vê televisão tão quereno tamém i pra SP?
- Não cumpade, es num dá conta não.
- Antão...
- Diz que dispois de mêis veio a mãe e o fio cunfiri a vida dos dois.
- Es tava filiz cumpade?
- Que nada, tinham vortado pra cabana de sapé.
- Mais cumo?
- Diz que quando a irmã dês intrô na casa tava um chero que ninguém guentava; cumo paricia que num tinha ninguém, foi pra banda da cabana dês. Tava os dois deitado no chão brincano cuma cachorra sarnenta. Quando a irmã priguntô proque tinham mudado da casa nova, o menos mudo barbuciô: - É a merda. Que merda priguntava a irmã? O lugá da merda é munto pequeno e é uma merda! Sem intendê munta coisa, a irmã foi com o fio na casa nova conferi a instalação sanitária.
- E aí cumpade...
- Diz o João que o vazo sanitário tava cheio de merda inté na tampa.
- Caos de quê cumpade?
- Isqueceram de insiná os dois bugre a dá a descarga.
- ....
JOSÉ EDUARDO ANTUNES