O DELEGADO DO "REGO TORTO"

Na primeira metade da década de 1960, uma pequena cidade do noroeste do Paraná, bem ali, na divisa com o Estado de São Paulo e a um pulinho de Mato Grosso do Sul, torna-se município, elegem o primeiro prefeito e a vida segue seu curso natural, sempre pacata e sem maiores transtornos.

Algum tempo depois, vagou no município, o posto de delegado. Como era comum pra época, o prefeito, autoridade máxima, nomeava um dos cidadãos para assumir o cargo. Geralmente, era alguém alinhado aos seus pensamentos políticos, e que impunha algum respeito perante a sociedade. Era os chamados delegados "calça curta".

Nesses termos, foi escolhido para assumir a difícil tarefa de impor a ordem e a paz, o sapateiro da cidade, renomado artesão do couro, homem simples, mas muito justo e sábio, dentro de suas limitações.

O delegado, em sua simplicidade, gostava de usar as calças com o cós repuxado de um lado, o que lhe rendeu de cara a alcunha de “Delegado do rego torto”.

Alguns dos amigos mais próximos, ou, supostamente amigos, para vê-lo furioso, gritavam o apelido quando ele passava e isso o deixava transtornado. Mas, apesar desses pequenos problemas ele conduzia com muita dignidade e competência, a tarefa que lhe fora imposta.

“Delegado do rego torto” fez história, e essa que passo a narrar, foi-me contada por um de seus filhos, o que nem por isso confirma a veracidade, visto que também lhe foi contada por pessoas que supostamente presenciou a cena.

Segundo o relato, numa manhã de segunda-feira como outra qualquer, sem nenhuma novidade para uma pacata cidade do interior, estava “Rego torto” a preencher o tedioso relatório semanal, quando adentra no recinto um cidadão furioso, trazendo consigo sua filha, por sinal, uma bela morena de olhos grandes e amendoados, com uma vasta cabeleira negra moldurando seu lindo rosto, e vai logo intimando o delegado.

— Doutor! O senhor precisa tomar uma atitude.

“Rego torto”, tomado de surpresa, surpreendeu mais ainda com sua aparente calma para conduzir o caso.

— Calma, homem de Deus! Sente-se aí e conte-me o que aconteceu?

— Doutor, é aquele filho da p.... do Tiburcio. Outro dia desses chegou com uma mão na frente outra atrás, sem lenço nem documento, o que fiz? Dei-lhe abrigo, comida, e um trabalho digno. Sabe o que ele me fez como recompensa? Fez “mal” pra minha filha.

Com ar de ingenuidade “Rego torto” perguntou:

— Como assim! Fez mal?

— Desonrou ela. O senhor tem que meter ele no xilindró e dar-lhe uma boa cossa que é pra aprender a não desonrar filha dos outros.

— Ah! Desonrou... Foi á força então? Perguntou olhando para a moça, o que ela negou com a cabeça.

— Não foi à força. Mais isso não importa, o senhor vai prender ele ou não vai?

O delegado refletiu por mais alguns minutos, quando finalmente decidiu:

— Sargento! Chamou.

— Pois não, delegado?

— Traga-me um copo.

O sargento, entre surpreso e curioso para ver o desfecho, imediatamente obedeceu. Chegando o copo, o delegado o segurou sobre a mesa e ordenou:

— Coloque o dedo aqui dentro. Indicou o copo.

O pai, homem simples, obedeceu, meteu o dedo, ou quase, porque o delegado desviou o copo para um dos lados.

O processo se repetiu por várias vezes sem o homem conseguir colocar o dedo dentro do copo, pois o delegado desviava ora para um lado ora para outro. Sem conseguir, reclamou:

— Como que eu vou colocar o dedo se o senhor tira o copo?

Depois de uma pequena pausa e diante dos olhos estupefatos dos ali presentes, deu sua palavra final:

— Tá vendo, se sua filha não quisesse e tivesse feito o que eu fiz com o copo, nada disso teria acontecido. Volte para casa e resolva seu problema, porque eu tenho problemas mais importantes para resolver. Passar bem. Sargento! Acompanhe esse senhor até a porta.

Las Vegas
Enviado por Las Vegas em 21/01/2011
Reeditado em 30/01/2015
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