João Domingues
João Domingues era um homem forte, trabalhador, filho de agricultores mineiros. Desde que aprendera a manusear o facão, nunca mais parou de trabalhar nos canaviais do sul de Minas.
Casou, constituiu família, teve filhos. Muitos filhos.
Desde os 12 anos mantinha uma antiga paixão: a cachaça. Bebia junto com o pai, diretamente do alambique.
__Isso é que é cachaça boa!__ dizia seu pai.
Mas essa paixão sempre fora o motivo de contendas em sua casa. Brigava com a esposa, batia nos filhos, ficava dias sem aparecer em casa.
O tempo foi passando lentamente, sem que João Domingues percebesse. Seus filhos tornaram-se homens, suas filhas já eram mulheres. Casaram-se todos. “Casar: a única forma de fugir da opressão do pai”, todos pensavam.
Sua esposa mantinha uma relação fria com ele. Fazia e dizia apenas o necessário. “Só continuo aqui por pena de você”, dizia ela, “Se eu for embora você morre de tanta cachaça”.
A vida foi afastando cada vez mais João Domingues da família. “Culpa da cachaça!”, dizia sua esposa. Até que ela também não aguentou e foi embora, morar com os filhos.
Foi o começo do fim da existência de João Domingues. Passou a beber em dobro. Já não tinha mais a esposa para fazer o chá de boldo ou para levantá-lo do chão do banheiro quando ele caísse bêbado.
Estava sozinho. Abandonado pela família, abandonado pela vida. Abandonado por ele mesmo.
Pegou uma garrafa de cachaça, sentou na varanda e começou a beber, como se fosse água. Garrafa vazia. Foi para o banheiro tomar banho, o que era cada vez mais raro.
Pisou em falso. Cambaleou, tentou se escorar; procurou a parede com as mãos. Lutou, mas já era tarde demais. Caiu, batendo a cabeça no vaso sanitário.
Ficou ali, olhando para o nada. Pensou na família. Tentou gritar o nome da esposa; não conseguiu.
João Domingues já não existia.