O PISCA-PISCA DE NATAL

No inicio de dezembro fui para a casa dos meus pais. A Ceia de Natal e a festa de Ano Novo seriam lá, como nos outros anos. Desde quando eu e meus irmãos saímos de casa, continuamos fazendo nossas festas de Fim de Ano lá. Nos sentíamos mais família, mais amigos. Poderia morar em Paris, Londres ou Nova York, a casa de minha infância seria sempre meu porto seguro. Onde aprendi a andar, onde falei minhas primeiras palavras, onde vivi minhas primeiras fantasias.

Logo depois que desfiz as malas no meu antigo quarto, meu pai surgiu na porta com festões enrolados no pescoço e uma caixa enorme cheia de pisca-piscas e outros enfeites de natal.

__ Preparado pra enfeitar a casa, Augusto?__ perguntou ele, com um sorriso estampado no rosto.

__ Agora não, pai__ respondi meio sem graça, passando a mão pelos cabelos__ depois eu vou lá dar uma mão.

Estava cansado do vôo. Havia chegado há meia hora em casa e meu pai veio cheio de disposição para enfeitar a casa.

Mesmo sozinho, ele começou o trabalho; primeiro pela sala.

__ Mariano, está na minha frente!__ reclamava minha mãe tentando ver televisão.

__ Calma, Rita. Só estou colando alguns enfeites na estante.

Apesar dos 70 anos, papai continuava com energia para dar e vender; subia e descia escadas para pendurar os enfeites e pisca-piscas na parede; não se cansava.

__ Mariano, toma cuidado com a coluna!__ gritava minha mãe da cozinha, enquanto preparava o almoço__ eu disse que ia dar um trocado para o filho do Armando enfeitar a casa. Você se meteu a fazer!

__ Que filho do Armando o quê!__ respondia ele da varanda__ pra que gastar dinheiro pagando aos outros pra fazer esse trabalho tão simples? Pode deixar, eu faço tudo, e muito melhor do que ele.

__ Você já não tem mais 20 anos!

__ Que nada!__ dizia ele, com um jeito maroto__ tenho mais disposição que qualquer garoto de 18!

Ouvia tudo do meu quarto. Meu pai sempre teimoso, minha mão sempre preocupada com a saúde dele. Admirava aquele casamento; apesar de todas as crises, de todas as tormentas que enfrentaram, estavam ali, juntos, unidos; cúmplices a mais de 30 anos.

Olhei pela janela do quarto. Lá estava meu pai subindo numa escada velha de madeira para pendurar alguns pisca-piscas no muro. Fiquei preocupado, a escada poderia quebrar e meu pai se machucar com a queda.

__ Pai! Vou aí embaixo te ajudar!__ eu gritei da janela.

A escada estava em péssimo estado, com alguns degraus rachados.

__ O senhor ia mesmo subir nesta escada?

__ Claro!__ respondeu ele, retirando os pisca-piscas da caixa.

__ E a escada que o senhor estava usando pra enfeita a casa?

__ É muito baixa__ esticou o fio dos pisca-piscas__ então pedi que o Orlando me emprestasse essa escada. Não está muito boa mas dá pra usar.

__ Deixa que eu subo então.

__ Antes tem que pregar os pregos no muro__ disse ele, estendendo as mãos com o mastelo e alguns pregos.

Olhei para a escada. Como iria me segurar e pregar ao mesmo tempo?

__ Vou subir e o senhor me apoia enquanto eu prego.

Subi os degraus, comecei a pregar. Meu pai apoiava meu corpo por trás.

Olhei para trás, lá estava a piscina. A água devia estar muito fria, pois o dia estava nublado e até chuviscara um pouco.

Dei algumas marteladas. A escada balançava. Minhas pernas vacilavam, senti um frio na barriga. Me imaginei caindo naquela piscina fria, junto com meu pai.

Mesmo sentindo as mãos firmes de meu pai apoiando a minha cintura, me senti inseguro.

Lembrei de quando era pequeno, quando via meu pai como um herói. Confiava cegamente em meus pais.

Quando somos crianças, colocamos toda nossa confiança nos adultos. Não vemos maldade em nada. Se nos colocarem em cima de uma mesa e gritarem “Pula!”, pulamos sem pensar duas vezes, acreditando piamente de que seremos resgatados antes de atingir o chão.

Ao nos tornar adultos, somos corrompidos pelo mundo. Passamos a desconfiar de todos, até mesmo de nossos pais.

Fiquei triste em não ser mais criança.

Mesmo sabendo que meu pai não me soltaria, entre uma martelada e outra planejava um plano B, caso caísse lá de cima.

E foi assim durante o tempo todo em que fiquei no alto da escada, pregando os pregos onde penduraríamos os pisca-piscas.

Passamos o resto do dia enfeitando a casa e o quintal. Penduramos Papais Noel por todo lado, até na garagem e na área de serviço.

__ No dia 23 de dezembro o resto da família chegou. No dia seguinte iríamos todos trabalhar nos preparativos da festa de natal.

__ Nossa, como a casa está bonita!__ elogiou Marli, minha irmã mais velha.

__ Nuca esteve tão bonita quanto neste ano.__ afirmou Gustavo, meu irmão.

__ Seu pai e seu irmão que enfeitaram tudo__ dizia mamãe, orgulhosa.

__ É mais quem fez o trabalho mais difícil foi o Augusto__ papai se justificava modestamente.

“Graças ao apoio dele”, pensava comigo.

Na noite de Natal, antes da ceia todos exigiram o tradicional discurso de papai.

Enquanto ele repetia as mesmas palavras que discursaram durante os 40 últimos natais, eu olhava pela porta de vidro da sala. Lá estava o pisca-pisca, brilhando, iluminando a noite com suas luzes coloridas. O mesmo pisca-pisca que me fizera refletir sobre o egoísmo humano.

Igor P Gonçalves
Enviado por Igor P Gonçalves em 10/01/2011
Código do texto: T2720961
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