CADÊ MEU ANO BOM

Era meados do século passado, corria anos da década de sessenta, eu era uma criança e la no bairro onde morávamos também existia por tradição a comemoração das festas de finais de ano, o Dia de Natal com a alegria do nascimento do Menino Jesus e o Dia de Ano que marcava o inicio de um novo ano e a nossa maior alegria não eram presentes, alias naquela época raramente os recebia, as festa eram sim um momento de confraternização familiar, onde reuníamos primeiro para reza do terço e depois para as comilanças, e para nos crianças, estes dois dias eram a oportunidade de sairmos da rotina do arroz com feijão, era dia que se preparavam uma bela macarronada, leitoa assada, frango assado, fartura com certeza pois os sertanejos supersticiosos como eram diziam que deveriam comer bem no dia de ano para comer bem o ano todo e pra nós, crianças, a maior alegria era tomar tubaína, visto que essas extravagâncias só tínhamos quando íamos no povoado, e raramente fazíamos, ou então em alguma festa de casamento no bairro que aconteciam vez por outras.

Verdade é que no dia de ano ainda tínhamos mais uma tradição, o de pedir “ano bom” assim saíamos em bandos pelas casas do bairro ainda de manhazinha intimando as pessoas “Pague meu Ano Bom” e de maneira geral, éramos muito bem recebidos por todos, na casa da Dona Rute, uma mulher que nós a chamávamos de bugra só porque tinha a figura de um índio dependurada na parede da sala, não ganhávamos nenhuma moedinha mas ela sempre estava com uns deliciosos docinhos para adoçar o nosso ano novo e já o velho Polaco, um homem rústico que diziam ter vindo dos estrangeiros, nos escorraçava dizendo que o dinheiro ganho com suor do rosto não era para sustentar vagabundos, mas mesmo assim, todo ano passávamos por lá, cobrando o seu ano bom e desejando um ano bom a ele.

Uma outra superstição dos moradores do lugar era que a primeira pessoa a chegar pra pedir ano bom deveria ser um menino branco pois se viesse primeiro uma menina ou um criança negra, era sinal de mau pressagio, ou seja, o morador não iria ter sorte com a lavoura e nem com as criação alem do que poderia ter problemas de saúde na família.

Lembro-me como se fosse hoje, naquele ano um tio teve o infortúnio de receber primeiramente a visita de uma menina ainda por cima negra, o homem deu o ano bom como de costume, mas ficou perturbado com o acontecido e não é que naquele ano veio uma seca das brava que assolou a plantação e o gado, teve problemas de doenças na família e foi um ano péssimo ao que ele atribuía a famigerada visita da mulatinha no dia de ano.

Verdadeira ou não a realidade é que por toda a região o ano foi ruim e todos sentiram as conseqüências das intempéries do tempo: lavouras perdidas, rebanhos judiados e até alguns falecimento aconteceram no bairro e em casas de pessoas que receberam como primeira visita do ano, meninos brancos pedindo “cadê meu ano bom”.

Maciel de Lima
Enviado por Maciel de Lima em 01/01/2011
Código do texto: T2703626
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