A história de Rafael

Sentei ao seu lado esta manhã, sua face estava tão arranhada que não conseguir reparar na beleza contida naquele rosto. Rafael estava muito agitado, mas mantinha o foco na tristeza permanente dominante desde a alma ao coração. Parecia tão profundo que mal notou minha presença, estava certamente há muito tempo pensando na mesma coisa.

Fedia fumaça, as pontas dos seus dedos estavam sujas de cinzas.

“Por que fez isso?” perguntei.

“Estava tão morto quanto eu, já estava começando a cheirar mal, merecia um pingo de dignidade.” Respondeu

“Não! Estava tão vivo quanto você, você o matou” continuei.

“Não! Eles o mataram do mesmo jeito que matou a mim” ele terminou

O silencio predominou enquanto um pingo escorria no rosto do sujeito e ele lembrara amargamente dos fatos.

Era Abril. Apesar das ameaças das nuvens, não chovia. Ventava, apenas. Rafael ganhara um caderno diferente. Na capa estava escrito “apontamentos”. Há algumas semanas havia feito 19 anos. Fazia faculdade de direito. Era um sábado. Nunca em toda sua vida, haverá ganhado algo como aquele, nem mesmo nos tempos de criança. Sem perder muito tempo, escreveu seu nome na capa. A pessoa quem havia dado o presente já havia ido embora, sendo que este se encontrava sozinho. Olhou por alguns instantes na janela até que um foco tomou conta de si, quando se deu conta, viu que aquilo poderia ser o começo de alguma coisa, decidiu guardar a lembrança. Com certa habilidade, pegou a primeira caneta da gaveta, em seguida foi fazendo uma letra redonda em uma das folhas do caderninho, aquilo lhe prendeu a atenção. Parecia bom, talvez até melhor que qualquer coisa que já havia feito, sentia-se algo quando dedicava sua concentração para alguma coisa. Novamente despertou, encontrou-se em uma folha distante de onde começara, só havia parado para começar outro parágrafo, na duvida entre uma palavra ou outra perdeu o controle do que estava fazendo. Olhou para ver onde estava o inicio, três folhas já haviam sido contornadas com a tinta daquela caneta. Assustou-se, jamais presenciara algo do tipo. Voltou onde parara e deu fim qualquer. Depois começou a ler os próprios relatos. Ora gostou, ora odiou, achando que não agüentaria ver nem a primeira pagina concentrado viu até o final querendo ver mais daquilo. Imediatamente pegou um livro da gaveta e começou a ler. Fracassou no primeiro parágrafo, não lhe agradava de modo algum. Olhou para a primeira pagina e tudo que viu foi um nome famoso de quem as pessoas tanto falavam, elogiavam e recomendavam. Tentou mais uma e nada, duas e nada, três e ficou na mesma. Impossível.

Tornou a manusear a caneta sobre a folha, sentiu uma felicidade profunda dominar cada canto do seu quarto, segurou-se para não começar a dançar mesmo que não houvesse musica. Quis gritar, estava agitado demais para ter controle do corpo. Ficou mais algum tempo, até satisfazer sua vontade constante. Terminado o trabalho, saiu feliz pela porta reparando em detalhes que jamais pensaria em ver, era bom viver. Era bom existir e ficava mais interessante ainda quando se trocava o concreto por palavras. Começou a chuviscar, ele descrevia o que sentia discretamente, mas a vontade era gritar, aos poucos foi acidentalmente rimando até não conseguir falar mais nada a não serem versos.

Decidiu que faria um livro, diferente destes que tentara ler e não conseguia. Cheio de coisas vindas do próprio. E assim foi durante dois meses, era aquilo, fazia sem que ninguém soubesse, arrumava sempre um tempo para os estudos, não tinha outra razão para sair de casa, senão isso e visitar os parentes, infelizmente nesta época, eles faziam aniversario. Não importava, estava feliz demais para recusar qualquer convite.

Foi numa sexta feira, há dois dias que foi a vez deste fazer um convite, apresentaria seu manuscrito, dizendo que tinha a intenção de publicá-lo, mas ninguém a não ser ele mesmo, sabia, todos só tinham conhecimento que seria uma surpresa.

A casa estava bem cheia, o pai, a mãe, os amigos, até os avôs estavam presentes. Esta noite nem dormira direito, estava nervoso, talvez mais do que nas outras vezes em que algo importante estava para acontecer. Vestiu-se da melhor maneira possível, penteou os cabelos, calçou os melhores sapatos. Tanto tempo esperou por esta ocasião. Fitou-se no espelho, seu reflexo sentiu inveja, mas permaneceu calado. Colocou uma caneta no bolso da calça, esta que até agora tinham feito companhia sem reclamar e foi lentamente até a sala onde o aguardavam ansiosamente. Uma toalha cobria o caderno.

“Senhoras e senhores, o que tenho para mostrar a vocês esta noite é nada mais nada menos que meu futuro livro”

Interessado, o pai dirigiu até a mesa e começou a ler, em seguida, caiu na gargalhada e repetiu as palavras ali escritas para a multidão que brevemente ria sem parar.

“Isto é algum tipo de brincadeira, filho?” perguntou sua mãe

“Não mamãe!” respondeu ele.

A mulher simulou que o ar lhe faltava, a multidão continuou rindo, o pai olhou para ele sério e lhe disse:

“Você me envergonha”

O menino ficou vermelho, sentindo uma coisa forte e diferente, pegou o caderno e fugiu. Não pensou em mais nada, ainda chorando, sentia-se um fracassado, por mais que procurasse não encontrava seu valor, era inútil, ridículo e motivo de piada para os outros. Foi até uma loja, comprou uma caixa de fósforos, voltou para um canto da cidade, foi para distante até que ninguém mais pudesse vê-lo. Chamou o livro de filho por três, quatro e cinco vezes. Beijou-o e começou a rasgar aquilo tudo. Em seguida, sentindo-se um assassino que mata o que mais ama, via-se uma chama caindo sobre aquilo tudo. A vontade dele era deitar junto e morrer, mas não podia enquanto tivesse fé em Deus. A dor de morrer queimado certamente era menor que esta de permanecer vivo. Olhando para aquilo, tentou esquecer o que se passara e foi em vão, as palavras se acabaram, mas o intruso sentimento permanecia. Jogou-se sobre as cinzas que ainda estavam quentes até que a noite virou dia.

“Que pensariam se me visse assim?” pensou ele “sou motivo de desgosto.”

Agora pouco eu o encontrei, ele me contou o que se passara, deitou sobre meus braços e profundamente magoado pensa em alguma coisa, lembra-se dos meses mais felizes da sua vida e sente remorso. Um sonho que não lhe daria dinheiro, mas o mantinha bem.

Olhei para ele e disse:

“Enquanto aquelas pessoas riam, gostei de cada palavra que ouvi, mas agora é tarde para ver o final, talvez você possa me contar”

Ele ainda chateado, pareceu sorrir, me olhou e disse:

“Se a vida realmente continua, então vamos segui-la e ver o que acontece daqui em diante.”

Taty Sb,

Taty Sbrugnara
Enviado por Taty Sbrugnara em 29/12/2010
Código do texto: T2698619
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