LEITE COM MANGA MATA
Publico este relato, dando seqüência às descrições das artes infantis, tópico desenvolvido lá no Fórum.
******
Morávamos no interior e todos os dias íamos (eu e mais 2 irmãs) buscar leite numa fazenda. A cidade era cheia de mangueiras e como vocês sabem, “manga com leite mata”.
Um dia resolvemos tirar esta verdade a limpo: combinamos comer manga no caminho e lá na fazenda tomar leite fresquinho, tirado na hora, da têta da vaca.
A fazendeira, antes de dar o leite, sempre perguntava:
- "Vocês não comeram manga, não?" E nós respondíamos em coro:
- "Não”.
Naquele dia, não foi diferente, só que nossa resposta foi mais enfática:
- “Nããããããããããããããããããão.
Entre olhares cúmplices, tomamos o leite, pegamos as garrafinhas e voltamos, prestando bem atenção para ver se a morte vinha.
No caminho de volta, trocávamos olhares enigmáticos, naquele desafio à morte.
Já em casa, antes do café da manhã, mãe perguntou se tínhamos comido manga, respondemos que não. Mais leite. Lá pelo meio dia, vendo que nada acontecia, decepcionadas, uma de nós disse:
- "Nós não morremos".
Fomos contar para mãe o ocorrido. Ela fez aquele drama mexicano, pôs as mãos na cabeça e exclamou:
- "Valha-me meu Deus, Nossa Senhora".
O resto, não me lembro, deve ter chamado a vizinhança, algum médico conhecido, corrido para algum hospital. Mainha era muito trágica.
Outra coisa que fazíamos era estraçalhar as bonecas de pano que nossa mãe fazia para ver o que tinha por dentro. Curiosidade de criança.
Na estação, com raiva das moças que não deixavam a gente brincar (íamos como ama-seca, se não os pais não deixavam sair), ficávamos murchando a roda dos vestidos, quando elas se sentavam. E dávamos risada, imaginando que elas pensavam que estavam todas garbosas, com a roda dos vestidos murchos.
21/10/2006