O homem que não acreditava em nada

Ele não acreditava em reencarnação. Alias ele não acreditava em nada que não fizesse parte dos seus sonhos. Sonhos esses que nasciam de sua cabeça e terminava desencarnando em uma gaveta empoeirada qualquer em meio a bagunça do seu quarto. Achava o mundo chato, achava as pessoas chatas, achava as idéias das pessoas chatas, achava as opiniões das pessoas chatas. Nem mesmo ele sabia explicar o porquê de achar que tudo ao seu redor fosse chato. Às vezes taxava de chato até mesmo a si próprio.

Um dia assistiu uma interpretação teatral, em uma casa de espetáculos lotada com aproximadamente duas pessoas, ele e seu robozinho empoeirado, que encontrará dias antes em uma loja de brinquedos na Vinte e Cinco de Março. Na verdade ele não o comprara. Ele aproveitara-se do descuido dos funcionários da loja e o colocou dentro do seu chapéu preto, que tinha um fundo falso, e saiu tranqüilamente pelas portas da frente sem que ninguém percebesse o furto.

Ele ficou maravilhado com o monólogo apresentado por uma rapaz que lhe confidenciou ter se formado a pouco tempo em letras e também em artes cênicas. Chegou a dar alguns palpites para o rapaz sobre algumas modificações que ele poderia fazer em seu espetáculo. O rapaz fingiu aceitar as suas idéias malucas e retirou-se meio contrariado com aquela conversa chata. Ele, porém mais uma vez sonhou com um monte de coisas. Fez vários planos e jurou que no próximo ano tudo seria diferente. Poria em prática todos os seus projetos que estavam engavetados. Ergueu as duas mãos para o céu e depois feito um maluco ajoelhou-se na calçada e berrou:

----Tudo será diferente no ano que está para nascer! Chegou o momento de modificar a minha vida! Ressuscitarei todos os meus projetos e mudarei o meu comportamento!

Levantou-se e deu um tapa na cabeça do robozinho que maldosamente não parava de rir com tudo aquilo, e continuou caminhando junto com os seus sonhos até o ponto de ônibus. Arrotou sobre o olfato metálico do pobre companheiro, além das suas emoções reprimidas, o cheiro insuportável de levedo de cerveja misturado com a porção de mortadela que havia degustado na padaria da esquina assim que deixou a casa de espetáculo. Por sorte o ônibus não demorou. Embarcou com certa dificuldade e voltou para a solidão inóspita do seu quarto.