Matando a fome
Eu acordei com um som esquisito do meu estômago…
Quando olhei para o canto esquerdo daquele quarto abafado, vejo que meu irmão estava olhando fixo para mim.
Logo, falamos quase juntos:
- Estou com fome!
A velha, Dona Luzia, apelidada por nós de Dona Coisinha, não tinha feito nada pra jantar. Havia três dias que ela nos servia pão com bolor, enquanto a mesma comia várias guloseimas. Reclamamos, mas ao que parece, não só deixou de ter algum efeito, como piorou nossa relação. Em função disso, decidi que vou procurar outro lugar para morar, antes que eu faça com a dona do pensionato o mesmo que Raskólnikov fez com aquela bruxa no livro Crime e Castigo. Porém, matar ela não seria uma boa solução, pois a velha em sua versão brasileira não tinha lá essa riqueza toda.
Olhei no relógio e tomei um susto… Duas da manhã! O pior é que 7 horas, eu tinha aula… Precisava comer e ir para lençóis, ou seja, para minha cama!
Dei um pulo da cama, quase que caindo no chão e cambaleante disse para meu irmão:
- Assim não dá! Temos que procurar algum lugar para comer!
Ele em um tom desanimado respondeu:
- Mas aonde? A essas horas da madrugada não tem anda aberto!
- Mesmo assim temos que procurar!
Olhei no bolso e tinha um real, meu irmão tinha mais três. Com tão pouco dinheiro precisaríamos fazer mágica. Estava com uma tremedeira e não pensava em mais nada a não ser em comer qualquer coisa que seja.
Antes disso, procuramos alguma comida na despensa da Dona Coisinha, mas estava vazia. Meu irmão lamentou a falta de sorte e eu comecei a xingar a velha. Depois saímos do pensionato. Na avenida cinqüentenário, não passava um carro sequer. Andávamos pela escuridão e a nossa única companhia foi a de um rato, bem grande, quase do tamanho de um gato. O bichano provavelmente estava com o mesmo objetivo em mente.
Rodamos mais de uma hora e por todos os lados os comércios estavam fechados. Procuramos por mais uns quinze minutos e nada… Nadinha de nada!
Ficamos longe de casa e desamparados começamos a voltar, quando de repente, nos deparamos com a rodoviária. Meu irmão sugeriu que procurássemos por algo, naquele local. Eu achei uma boa idéia, pois não restava nenhuma outra.
Por um tempo, ficamos perambulando aquele lugar, que estava quase que deserto, tirando um casal que estava namorando e um senhor que estava lendo um jornal no banco.
Quando estávamos desistindo, vimos uma lanchonete, bem escondida, no canto, perto da entrada. Na estufa, estava exatamente duas coxinhas de uma coloração bem suspeita. O alimento era tão velho que devia estar “fazendo aniversário”. Dava pra colocar uma velinha e cantar parabéns!
Não pensamos duas vezes, fizemos o pedido e ainda sobrou dinheiro pra comprar um suco aguado.
Com isso, fiquei pensando que a vida de estudante não é tão ruim assim, afinal, tinhamos matado aquele grande incomodo.
Voltamos para casa satisfeitíssimos e pela manhã, a coxinha se vingou de mim e de meu irmão. O pior de tudo é que eu não pude ir para aula e por não estar bem do estomago, perdi o almoço da Dona Coisinha. Pela tarde, quando melhorei da indisposição, já estava ficando novamente com fome…