É chegada a hora(histórias de minha bisa)

Como já contei a casa de minha bisa era caminho certo para os netos. As tardes sentávamos sempre ao redor da mesa da cozinha para comer pé-de-moleque com café e escutar histórias (verídicas?).

Mas essa, mesmo que vocês não acreditem, eu presenciei. Na verdade não é uma história é um fato acontecido.

Estávamos sentados em uma tarde chuvosa eu, meus primos e primas, meu avô, minha avó, meu tio, minha mãe e mais alguns netos e bisnetos da vizinhança que aparecia sempre para filar um pé-de-moleque e ouvir histórias de almas e assombrações.

Neste dia, diferente de outros, sentávamos em um banco de madeira que ficava encostado a parede da cozinha e quase que fronteiro a sala de visitas.

Chovia e lembro que não eram os torós que costumavam cair por aquelas bandas. Era quase que uma garoa... Um pouco mais forte.

A casa dos meus avós não tinha varanda e em dias chuvosos as roupas lavadas eram estendidas em uma corda que ia de uma parede a outra da sala. O que nos impedia de balançar na rede que estava sempre lá, pronta para nos levar de um canto a outro em altos vôos. Nesse dia tinha poucas roupas, alguns lençóis e roupas de minha bisa.

Não sei precisar a hora, penso que lá pelas três horas da tarde a chuva amainou mas a conversa estava tão boa que ninguém levantou-se e foi ai que aconteceu...

De repente, sem que soubéssemos como, uma bola feita de dois vestidos de minha bisa que estavam estendidos na sala disparou em nossa direção, quer dizer em direção a ela. Meu avô levantou-se zangado, gesticulando e querendo saber quem tinha praticado aquele ato. Saímos atrás dele para ver quem tinha sido e temendo pela bronca que o suposto jogador iria levar. De todos só minha bisa permaneceu onde estava, com a calma que lhe era peculiar continuou a fazer a tarefa que se propunha a terminar que era enrolar alguma linha em um pedaço de madeira.

Meu avô foi até a sala e lá não tinha ninguém saiu para o terreiro e também não encontrou viva alma, foi até a casa vizinha e perguntou se o compadre tinha visto alguém e ele respondeu que não, até porque estava chovendo e ele não sairia de casa para nada. Voltamos para dentro de casa cismados e já com a imaginação a mil. Ao chegarmos à cozinha meu avô falou para sua mãe que não tinha visto ninguém e que não sabia quem tinha feito aquilo.

Sem parar o que estava fazendo e sem alterar a voz minha bisa falou: - Não se preocupe foram as almas. - Que almas mãe porque elas iam jogar seus vestidos na senhora? - Por que chegou minha hora e elas vieram me avisar. E não adianta você fazer essa cara um dia tinha que acontecer.

Penso que levamos mais a sério do que meu avô para gente a tarde acabou e os pés de moleques perderam o sabor. Mas só por pouco tempo logo que o cheiro começou a encher nossas narinas esquecemos-nos do assunto. Na verdade tudo tinha sido dito com muito cuidado, antigamente crianças eram tratadas como crianças e, portanto não tinham que saber do que não lhes interessava.

Isto se deu em uma segunda-feira, na quarta feira seguinte minha avó sofreu uma queda ao escorregar no lodo que cobria o quintal e no sábado seguinte veio a falecer. Foram quatro dias de dor, mas ela sempre esteve conformada, ela tinha todos a sua volta. Claro que não foi para um hospital. Naquele tempo o hospital ficava a vários quilômetros de distância em outra cidade e ela jamais sairia de sua casa para partir para o outro lado da vida em uma sala de hospital. – Lugar de se morrer era em casa e na cama ao lado dos seus. E foi assim que ela se foi. Deixou-nos saudade e um legado do tamanho do amor que nos dedicou. E também a certeza de que a vida é feita de trabalho, e luta, mas também de sonhos e de pés- de - moleques.

Arlete Araújo
Enviado por Arlete Araújo em 14/12/2010
Reeditado em 28/04/2012
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