O fio da navalha

Quando pequeno ía com meu pai à barbearia do seu Benígno para ele, cortar seu cabelo e fazer a sua barba e, para mim, raspar a cabeça com uma máquina que mais arrancava os meus cabelos que cortavam-nos. Era momento de dor para macho:

_ Homem que é homem não chora! Dizia meu pai - e eu o puxava – ficava agachado no cantinho a tudo observar.

“ De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”. Um quadro na parede com um texto de Rui Barbosa, chamava-me a atenção.

Meu pai, conversando com seu Benígno, o barbeiro – homem contrário ao governo – ouvia dele as reclamações sobre o poder. Uma navalha era passada de um lado para o outro sobre um pedaço de pita, pelo barbeiro, com o propósito de manter, o fio da navalha.

Com o rosto cheio de espuma, aos poucos a fisionamia de meu ía surgindo, enquanto a navalha de seu Benígno buscava desde o pescoço até as maçãs de seu rosto.

_ Pronto, seu Dudu Calazans! Agora é a vez de o homenzinho retirar o excesso de cabelos.

_ Arrumá prá lá! Homem não chora! Pensava eu. Vou já assentar-me na cadeira.

Meu pai carregou-me, enquanto o barbeiro foi buscar um banco, colocando-o sobre o outro, para que me assentasse.

_ E o corte, seu Dudu? Perguntou o barbeiro.

_ O trivial! Respondeu, meu pai.

Então o barbeiro ía arrancando meus cabelos até que formasse um topete na frente do coco (Agora! Fico hoje a imaginar de como meu pai – aonde quer que ele esteja. Que Deus o tenha! - se arrepende de ter feito aquilo comigo; pois aquele corte somente pode ser visto com o jogador Ronaldo, o fenômeno, já que minha calvície não o permite mais).

Cabeça raspada! Topete novo! Era só aguardar, no próximo mês, assistir ao fio da navalha e passar por outro sofrimento: sem chorar! Pois, homem que é homem não chora!