Conto de Paquetá (1ª parte)

Já era tarde na noite de copacabana e o apartamento com vista para praia onde morava a família Alencar nunca parecera tão melancólico. Estavam na primavera e, ironicamente, chovia. O clima ilustrava perfeitamente aquele episódio trágico da vida dos três. Estavam falidos. Ninguém se comunicava, só faziam as malas apáticos, encaravam o destino incerto com medo e esperança. Vírginia, a mãe, era a que menos ajudava; só ficava sentava no divã de seda branco com o olhar desconsolado.

Depois de um tempo que pareceu uma eternidade Sophia chamou a sua mãe arrancando-a de seu devaneio.

_Mamãe o carro já chegou, papai está esperando.

_Claro Sophia já estou indo. Eu só... só preciso de um momento para me despedir.

Enquanto encostava a porta a menina pôde ver sua mãe fechando os olhos e inspirando profundamente enquanto se abraçava num gesto saudosista que ficaria um bom tempo na sua memória juvenil.

A chuva não dava sinais de descanço lá fora, quando Vírginia desceu e abriu a porta do saguão pode sentir o vento forte que vinha do Atlântico. Num movimento instintivo apertou o sobretudo junto ao corpo e pisou na atlântica com seu salto scarpin em direção ao carro preto onde esperavam o marido e a filha.

O carro chegou a zona portuária depois de uma batalha contra as ruas, alagadas pelo temporal fora de época, e foi direto para o cais. Dr. Hugo pagou ao motorista enquanto o pescador vinha ao encontro do grupo para ajudar com as malas. Um amigo de Hugo havia arranjado esse barco pra levá-los tão tarde; do contrário teriam de pagar outra diária no luxuoso hotel onde residiam e isso eles não podiam bancar.

O pescador se apresentou:

_Boa noite doutor, eu sou Salomão.

_Boa noite, o senhor sabe me dizer quanto tempo vai levar pra chegar lá?

_Olha, a gente só deve chegar amanhã de manhã.

_Tudo bem então, muito obrigado.

O barco deu a partida e a família se abrigou da chuva no telhado precário para inciar a viagem. Durante todo o tempo suas bocas não se moveram mas em cada um ocorria um turbilhão de palavras. A mãe mergulhava cada vez mais num abismo de desespero e fechava os olhos repetidamente tentando acordar de um pesadelo. O pai procurava manter a calma e dizia para si mesmo que tudo daria certo. A filha observava o mar e tentava entender o que se passava.

Após duas horas de viagem com a alvorada e sem a chuva intermitente o destino deles podia ser visto não muito longe. A luz matutina incidia nas casas e ruas da ilha de Paquetá enquanto o pequeno barco se aproximava do porto para deixar os seus tripulantes ensopados em solo mais uma vez.

Ao desembarcar Hugo rapidamente tomou providências para arranjar uma charrete que levasse a família e as malas até sua futura residência. Após cerca de quinze minutos pelas ruas do bairro eles chegavam aquela que seria a casa que transformaria as vidas de cada um de maneiras diferentes.

A fachada era charmosa, um muro baixo cor de rosa com um portãozinho branco estilo francês davam entrada para o quintal. Um flamboyant jovem enfeitava o breve espaço que separava a rua da varandinha da casa. A parede tinha enfeites de aulejo e as janelas e a porta eram de madeira rústica.

A primeira a entrar foi Sophia, abriu o portãozinho insegura, mas logo corria para a varanda a fim de observar a casa de outro ângulo num gesto que lembrava sua infantilidade recém deixada. Virgínia puxou uns óculos escuros potudos nas laterais e os posicionou sobre os olhos antes de olhar o casebre desdenhosamente e se dirigir a ele como se entrasse em um chiqueiro. Por último Dr. Hugo, após acertar as contas com o condutor e se desesperar ao pensar em como recuperaria esse dinheiro, vinha em direção a moradia sem repará-la. A chave estava em uma das malas volumosas e escuras, o pai abriu a porta para que todos entrassem. O interior da casa já estava mobilhado como havia sido acertado no contrato. Um perito diria que a decoração tinha influências francesas e de veraneio numa execução amadora. Dona Virgínia disse que era feio "a decoração mais horrível que ja ví em toda a vida", "e além disso suja". Sophia ficou encantada, estava cansada da decoração beje e minimalista de seu apartamento, e partiu para explorar a casa enquanto o pai desfazia as malas.

Não havia muito para ver mas a menina estava extasiada. Foi até o final do corredor primeiro e viu uma cozinha cheia de utensílios de madeira com aparência de usados, quem quer que morasse ali cozinhava muito. Depois de xeretar todos os armários ela voltou o corredor abrindo as portas para ver o q havia dentro. Na primeira a direita ela encontrou o banheiro; julgou-o grande, comparado ao resto da casa e havia uma banheira convidativa. Depois abriu a porta mais adiante, a esquerda. Era o quarto principal, onde seus pais dormiriam, tinha uma cama com armação de ferro e a janela era ampla, também de madeira. A última porta da esquerda era mais nova com aparência de pouco usada Sophia abriu-a e se encantou com o quarto que era seu agora. A cama ficava ao lado da janela e era de madeira, assim como o armário alto e com rosas pintadas em cada porta. Havia ainda uma penteadeira mais bem trabalhada, na verdade parecia que ela fora colocada ali recentemente, com um grande espelho oval e muitas gavetas com puxadores curiosos pois eram todos diferentes mas, sem tirar a harmonia da peça. Como se sentia confortável ali sentou-se na cama até ser chamada pelo seu pai.

_Filha arrume-se vamos à um restaurante para almoçar.

Ordenou o pai.

_Está bem pai.

_Se houver um restaurante nesse lugarzinho.

Comentou a mãe.

_Deixe disso Vírginia alguma hora você terá que aceitar essa é nossa vida agora.

_Nunca! Virgínia Alencar ainda voltará para o Rio de Janeiro melhor do que saiu.

Profetizou a mulher.

Depois de meia hora todos estavam prontos e partiram a pé em busca de um restaurante, encontraram um na orla perto de onde tinham desembarcado e a mãe olhou de soslaio para o cais esperando um barco imaginário que a levaria de volta a civilização. Almoçaram sem falar muito, Sophia olhava para todos os lados registrando o lugar. Na volta o pai comentou que teriam que arranjar um transporte. Sophia sugeriu cavalos e o pai sorriu achando graça.

Chegaram em casa e terminaram de desarrumar as malas, a mãe ajudou pouco novamente. A menina gostou de adivinhar onde colocaria suas coisas nesse novo ambiente e quando acabou foi explorar a parte de trás da casa onde encontrou uma amoreira cheia de frutos. Logo estava na hora de se arrumarem de novo dessa vez para ir à missa, haviam chegado no domingo. Mais uma vez foram andando Virgínia reclamava das bolhas que teria no fim do dia e Dr. Hugo colocara sua expressão mais séria de provedor da família e não pretendia tira-la. Andaram por mais tempo do que todos esperavam até chegar a capela de São Roque que já estava cheia, ou perto disso. Antes da missa a família foi comprimentar o padre sobre os olhares atentos dos moradores para os recém-chegados. O culto foi breve e não fugiu aos padrões normais, só Hugo comunhou.

Do lado de fora da igreja singela com uma pintura branca e uma cruz de madeira escura no alto não se falava de outra coisa que não dos forasteiros. As senhoras religiosas, casadas e solteironas, comentavam a elegancia (não proposital) da mãe dessa nova família e a delicadeza da filha.

_De onde será que vieram?

Perguntava-se uma.

_Será que vão ficar?

Outra mais velha.

_Parecem simpáticos.

Observou uma terceira.

E os comentários se extandiam até onde a curiosidade podia chegar.

Dr. Hugo foi ao encontro do que presumiu ser os figurões da cidade e deixou a mãe com a filha num canto.

_Boa noite, senhores, sou o dr. Hugo, psiquiatra. Eu e minha família acabamos de chegar do Rio e estamos morando numa pequena casa na praia das gaivotas.

Apresentou-se ele formalmente.

_Boa noite, doutor, sou o administrador regional Venâncio, esse é Fabiano chefe dos pescadores e aqui está Silvio dono do restaurante da orla.

_Ah! Sim, senhor Silvio, parabéns pelo restaurante, excelente comida caseira, embora eu não pretenda frequentá-lo. Estou mesmo a procura de uma governanta para auxiliar minha esposa nas tarefas da casa.

_Que coicidência, a filha de minha cozinheira está a procura de emprego e ela é ótima com a casa. O que acha devo manda-lá procurar o Doutor?

Perguntou Venâncio.

_Sim isso seria ótimo, eu agradeceria muito.

Do outro lado da praça as senhoras se aproximavam de dona Virgínia, que já encolhia os ombros num gesto nada receptivo, usando sua filha como pretexto para puxar conversa.

_Que filha mais linda que a senhora tem.

Disse a mulher que se apresentou como esposa do administrador regional.

_Quantos anos ela tem? Meu filho parece ser da idade dela.

_E esse vestidinho foi você quem fez?

Diante dessas indagações Virgínia apenas deu um sorriso amarelo que passou despercebido pelas senhoras que continuaram a tagarelar.

No grupo de homens a conversa começava a se esvair, eles não tinham a curiosidade feminina ou não a expressavam.

_Sabe doutor, eu moro perto da praia das gaivotas se quiser uma carona com a sua família. Notei que vieram a pé, ainda não tiveram tempo de providenciar um transporte qualquer?

Disse o dono do retaurante.

_Aceito o convite com muita gratidão e é verdade, também estou a procura de uma carruagem ou coisa qualquer.

Hugo se despediu dos senhores e foi chamar a filha e a esposa que ficou aliviada ao sair do meio daquela mulheres "irritantes". O caminho de volta foi tranqüilo, com pouca prosa entre os senhores.