A Benção da Rezadeira
Após uma caminhada de 30 minutos, chego à casa de
Joaquim, bato palmas e grito:
- Ó de casa, ó de casa. -Alguém olha através da cortina
branca de crochê.
- Se achegue moça, em que posso lhe servir.
- Eu sou lá da escola do Quinho, preciso falar com a mãe dele.
Ali estou numa casa simples de barro e chão batido, fogão
a lenha, as latas de mantimentos são de alumínio e possuem um
brilho espelhado. Estão colocadas numa prateleira de madeira
enfeitada com rendinhas de papel, feitas pela própria dona da casa.
A conversa corre solta, dona Quitéria, entre uma resposta
e outra ao que vou perguntando, conta que a família é humilde,
mas comida não falta, o roçado é grande e eles plantam de tudo
um pouco, feijão, milho, batata, macaxeira, algumas verduras e até
um bom roçado de cana-de-açúcar.
Mas o que dá um dinheiro dos bons é a criação de porcos
e o leite das cabras.
Concluo o motivo da minha visita tomando um saboroso
café com pão de milho, quando um jovem entra aflito, perguntando
pela avó, dona Capitulina
- Sua a vó está na sesta.
- Tenho uma prova na faculdade, preciso da reza dela.
-Já ouvi a tua conversa, toma um copo d água que vou
buscar um ramo de losna santa pra fazer a reza.
Quanto a mim, fico muda, terei uma oportunidade única,
ver uma benzedeira realizar o seu sagrado ofício.
O jovem ajoelha-se respeitosamente em frente daquela mulher de
pele negra, alta, de rosto marcado pelo sol e pelo trabalho duro na
roça.
Com cigarro de palha no canto da boca, a mão esquerda
fica junto às costas e a direita segura o ramo verde molhado em
água de cheiro. Fazendo o sinal da cruz, ela diz a reza:
“Com este ramo quebro a ira do teu mal, eu te curo, eu te
liberto pelo poder do nosso senhor pai, do filho e do espírito santo,
que o poder deles clareie as ideias deste filho.” O jovem beija as
mãos da avó e sai confiante que tudo sairá bem.
Ganhei outro café e fiquei sabendo que dona Capitulina era
filha de dona Maria Quitéria, a mais famosa rezadeira do Vale do
Jequitinhonha.
Quando terminamos de prosear, fui levada pelas donas da
casa até a beira do rio Araçuaí, pediram que eu molhasse os pés e
ali, sentindo o frescor do vento, fui benzida contra todos os males
da terra, da água, do vento e do fogo.
Agradeci tanta gentileza e parti de volta em direção à
escola. Mesmo ao longe ainda enxerguei aquela mulher de olhar doce
sentada na soleira da porta, olhando o horizonte, murmurando
alguma coisa, quem sabe uma reza em prol de alguém ou mais uma
das tantas conversas com os anjos.