Mui Mulher
Valmari Santos Nogueira
Salvador / BA
Mui mulher
A tarde estava ensolarada. A temperatura agradável. Convidativa para um refrescante banho de mar, assistir a um belo filme, passear no parque ou tomar um delicioso sorvete. Não para Gervásio, que teria que acompanhar a esposa a uma clínica urológica. Para ele, um programa furado, mas, em se tratando da saúde de sua esposa não havia do que reclamar. Como a clínica não ficava muito distante de casa, num curto espaço de tempo eles lá chegaram. Gervásio estacionou o veículo e, após ambos apearem do automóvel, se dirigiram à recepção. A recepcionista os atendeu gentilmente. Recebeu os documentos de Sílvia (a esposa) RG e cartão do plano de saúde, depois pegou a ficha médica no arquivo e colocou na mesa do doutor. Após um tempo razoável ela foi chamada para a consulta. Quando Silvia entrou no consultório, o marido ficou na sala de espera, lendo aquelas revistas de fofocas de gente rica, comumente encontradas nas clínicas médicas e gabinetes dentários. Após ser atendida ela foi até ao balcão, apôs a sua rubrica na fatura dos custos médicos e se dirigiu ao toalete. O marido continuou na sala de espera se deliciando com os mexericos da burguesia. Minutos depois, a porta do gabinete médico se abriu. O doutor apareceu, todo senhor de si, com uma ficha médica na mão, olhou para todas as pessoas presentes, na sala de espera, e chamou:
- Senhor Gervásio!
Surpreso por ter seu nome chamado pelo homem de jaleco branco, haja vista que naquele dia ele não havia marcado qualquer consulta naquela clínica, não se manifestou. Julgou tratar-se de outra pessoa. Não, não podia ser ele! Pois ele só estava ali como acompanhante de sua mulher! Poderia ser um homônimo, já que a sala estava abarrotada de pacientes aguardando a vez de ser chamado!
Foi chamado uma segunda vez... Uma terceira... Relutou o quanto pôde... De modo algum podia ser ele.
Como ninguém se apresentou só lhe restava dirimir a dúvida.
Dirigindo-se ao médico, ele indagou:
- Gervásio de que, doutor?
- Gervásio Ferreira Brito. – Respondeu o médico.
Mais surpreso ainda com a resposta do médico, tornou ele:
- Esse aí sou eu doutor, mas não marquei consulta nenhuma não!
- Marcou sim – disse. - Está agendada para este horário. Veja aqui a marcação na agenda. Vamos seu Gervásio, entre.
Ante aquela inusitada situação ele ficou paralisado. E uma dúvida atroz o atormentou por alguns segundos: Entro no consultório...? Não entro...? Entro...? Não entro...? Todos os demais pacientes, também surpresos, o encararam para ver se ele ia tomar uma atitude de macho, entrando no consultório para a consulta, ou ia fugir da raia.
Silvia continuava no toalete, rindo da cara do marido pelo constrangimento a que ele estava sendo exposto.
Que ele se chateasse. Estava no direito dele se chatear. Sentia-se culpada pela trama que urdira, mas, tudo fora programado para o bem dele.
Sem alternativa, e não querendo passar por covarde perante toda aquela gente, ele resolveu atender ao chamado, mas, a sua preocupação primeira foi olhar para as mãos do doutor..., isto porque, ele estava numa clínica urológica. E ali você sabe como é: ajoelhou tem que rezar.
Assustadíssimo, entrou no consultório. O doutor, sem perda de tempo, mandou que ele se despisse de toda roupa, indicando o cabide onde deveria colocá-la, e se deitasse de decúbito ventral.
O homem tremeu nas bases! Suou frio...! E lhe veio à mente sair dali em desabalada. Passaria pela sala de espera, veloz como um raio para que ninguém tomasse partido na sua vida íntima. Largaria Silvia lá no banheiro. Desconfiava que fora ela que havia engendrado aquela armadilha. Que ela se danasse então. Que fosse para casa a pé. Ou pegasse um taxi... Porém, por conta da sua honra de macho, que ficaria enxovalha perante todas as pessoas que ali se encontravam, bem como diante dos parentes e amigos, quando tomassem conhecimento da fuga cinematográfica... Ah! Não. Não ia ficar bem. Custasse o que custasse enfrentaria o problema. E enfrentou.
Concluído o exame, no qual ele se sentiu um frango assado, desonrado pelo “maior de todos”, dirigiu-se ao cabide e vestiu a roupa. Mas, antes de sair do consultório, refletiu mais uma vez sobre o fato de ter que encarar aquelas pessoas que se encontravam na sala, e que provavelmente iam ficar cheias de olhares maliciosos e rizinhos sarcásticos, caçoando da sua cara de bundão. Cara de menino que aprontou e foi apanhado com a boca na botija. Pensou, também, na trama que urdira sua esposa e num silencioso monólogo, sentenciou: - mato aquela desgraçada, quando eu chegar em casa. Vou esganá-la. Isto é coisa que se faça com um homem honrado?
Ao chegar à sala de espera a esposa tentou acalmá-lo; mas, sem sucesso. Tal qual menino birrento ele conduziu a mulher até a casa sem lhe dirigir a palavra. Matá-la como havia prometido não a matou. Porém, a comunicação entre ambos se manteve interrompida por um bom lapso de tempo. O diálogo só foi restabelecido, quando ela conseguiu convencê-lo de que foi para o bem dele que tomou tal atitude. Que se fosse por iniciativa dele próprio jamais ele teria ido ao Urologista. Ele resistiu bastante em aceitar a argumentação da mulher, mas acabou concordando com ela.
O resultado do exame?
Ah! Graças a Silvia ele descobriu - em tempo hábil - que era portador de uma anomalia maligna na próstata.
Que seria dos homens se, ao seu lado, não houvesse uma “mui mulher” para encorajá-lo ao toque?
O que seria, hein seu Gervásio?
Que você seja mui grato a sua esposa, por ela ter salvado a sua vida.
Conto publicado na Antologia: "Criadores & Criaturas - da CBJE. -edição dezembro 2010.