Deixa pra lá!

Naquele domingo pela manhã o Dorival se encontrou com o Humberto próximo a Praça da Matriz. O sol derramava com fartura os seus dourados raios matinais, enfeitando aquela manhã de verão que prometia ser maravilhosa. Assim que o Dorival avistou o Humberto que vinha em direção contrária, abriu um sorriso rasgado e levantou os braços deixando evidente que precisava falar com ele.

----Orra meu! Que baita coincidência! Subi até aqui só para te procurar e dou de cara com você! –Gritou o Dorival enquanto caminhava em direção ao Humberto.

----Se for dinheiro emprestado você errou a mira! Tô mais duro que pau de tarado! –Respondeu o Humberto.

Os dois começaram a rir enquanto se cumprimentavam.

----Se eu estivesse precisando de dinheiro você seria o último cara que eu iria procurar. Sujeito mão de vaca igual a você está para nascer ainda nesse mundo. Esse seu bolso deve ter uma meia dúzia de cadeados e uns dez escorpiões. —brincou o Dorival.

----Mão de vaca não! Eu apenas sou um cara seguro. E além do mais aqui nessa porra desse bairro só tem caloteiro. Se eu fosse emprestar dinheiro pra todo mundo que me pedisse eu já teria ido pra roça há muito tempo.

E enquanto riam continuaram subindo a rua até chegarem a Praça da Matriz. Sentaram-se em um banco próximo a um frondoso pé de ipê, que solícito emprestava generosamente os bálsamos reconfortantes de sua doce sombra.

----Mas afinal o que você quer? –Perguntou o Humberto.

----O negócio é o seguinte, ontem eu estava conversando com o seu irmão a respeito de umas folhinhas, dessas que tem calendário, pois pretendo fazer umas agora para o fim de ano para presentear alguns clientes e ele me disse que você conhece um cara lá no centro da cidade que trabalha com isso.

----Ah sim! É o Gervásio! Ele trabalha com isso há anos. Quem fundou a empresa foi o seu avô, mais ou menos em mil novecentos e quarenta e oito, quando a família dele migrou da Espanha aqui para o Brasil. Se eu não me engano o avô dele se chamava Miguel, um cara super inteligente e arrojado. Começou com uma maquininha de segunda mão que comprara de um Português ali na Barra Funda, inclusive esse Português acabou montando uma rede de padarias e ganhou dinheiro igual água, só que quando o velho morreu os filhos que eram tudo putanheiros...

----Ô Humberto...

----Espera um pouquinho Dorival, deixa eu só terminal essa historinha. É rapidinho! Pois então, como eu ia dizendo, assim que o velho bateu as botas os filhos que eram tudo putanheiros começaram a gastar o dinheiro com bebidas e orgias, e no fim acabaram com toda a fortuna do velho. Eles eram em quatro irmãos, três deles já morreram e hoje, vivo, só tem um, é o Daniel, que ainda foi um pouco mais cabeça e montou um restaurante ali no Cangaiba e...

----Ô Humberto...

----Espera só um pouquinho Dorival, é rapidinho e eu termino essa história. Você sabe o que é? É que parece que uma coisa não tem nada a ver com a outra, porém você começa a ligar os fatos e acaba descobrindo que tudo se interage em uma só história. Porra meu, como eu estava te dizendo o Daniel ainda foi um pouco mais esperto e acabou montando um restaurante lá no Cangaíba, e não é que a coisa acabou dando certo. Eu me encontrei um dia desses com ele e ele me disse que serve lá em seu restaurante uma média de duzentas a trezentas refeições por dia. Ele teve que contratar uma porrada de funcionários, porque os filhos se formaram na faculdade e ninguém quer saber de merda nenhuma. Um deles está morando na Finlândia. O rapaz se formou em Bioquímica e...

----Ô Humberto agora quem pede para esperar um pouco sou eu. Olha, eu só quero que você me dê o endereço desse seu amigo que trabalha com folhinhas. Só isso. Sabe é que eu estou com um pouco de pressa, pois ainda tenho que ir buscar a minha filha no colégio.

----Ah sim! As folhinhas! Pô rapaz, ele tem uns modelo maravilhosos de calendários que você nem imagina. Inclusive ele me mostrou umas fotos que pretende usar para algumas folhinhas que eu achei simplesmente divino. Tem uma multinacional, que se não me engano a sede deles é no Canadá ou na Suíça, não tenho certeza. Eu só sei que quando a diretoria deles vem aqui para o Brasil eles se hospedam em um hotel ali perto da Paulista, e os caras até para ir ao banheiro tem segurança que acompanha. E esse meu amigo conseguiu mostrar os seus produtos para um dos diretores que se interessou pelas folhinhas e me parece que eles vão encomendar cem mil que é para abastecer todas as filiais espalhadas pelo mundo. E se eu te falar você não vai acreditar, esse diretor que ele conseguiu o contato...

-----Ô Humberto...

----Espera, deixa-me concluir essa história se não acabo me esquecendo. Eu ultimamente ando com a cabeça tão ruim rapaz. Eu ouço alguma coisa agora e daqui a pouquinho já não me lembro mais. Sim, continuando, esse diretor sofreu uma tentativa de seqüestro há uns tempos atrás lá no Rio de Janeiro, e só não aconteceu algo pior por que na hora iam passando três viaturas da Polícia Militar que perceberam a ação dos bandidos e acabaram frustrando a investida dos marginais. Inclusive o comandante da equipe foi o mesmo que participou uns dias destes das investidas aos morros lá no Rio de Janeiro. Eu vi a entrevista que ele deu e nessa entrevista ele contou que quase toda a sua família é militar. E você vê como esse mundo é pequeno, o pai dele eu conheci pessoalmente quando participei das conferências de meio ambiente lá em Niterói, e uma vez...

---Ô Humberto...

----Ah sim, eu acho que você também o conheceu. Teve uma vez que fizeram uma conferência lá no Anhembi e você foi comigo, lembra? Ai eu te apresentei o cara. Pô meu, eu não vou me esquecer nunca! Ele estava acompanhado de uma baita loirona que quase fez o Anhembi vir abaixo. Você está lembrado disso Dorival?

----Estou sim Humberto! Agora por favor, dá para você me passar o endereço do cara das folhinhas?

----O cara das folhinhas? Que folhinhas?

----Lá do seu amigo no centro da cidade.

----Ah sim! O Gervásio! Eu já te contei que o avô dele começou com uma maquininha de segunda mão e...

Espera Humberto!... Pelo amor de Deus espera só um pouquinho!.. Olha, vamos fazer o seguinte, deixa prá lá! Eu estou com um pouco de pressa, outra hora a gente conversa!

----Pô Dorival! Você também só anda apressado! Parece até que não gosta de conversar comigo?

----Não é nada disso Humberto! É que eu tenho que apanhar a minha filha no colégio, e já estou atrasado!

----Tudo bem! Então outra hora a gente conversa com mais tempo! Ela estuda aonde Dorival?

----Ali no colégio particular!

----Pô rapaz, tem um parente meu que chegou dos Estados Unidos o mês passado e ele me contou que as escolas lá nos Estados Unidos...

----Espera Humberto!... Espera!... Olha você não me leva a mal não, mas já estou indo, se não vou chegar atrasado lá no colégio e a direção pega no pé quando nos atrasamos. Até uma outra hora Humberto!

----Até mais! Aparece com mais tempo! Eu tenho um monte de coisas para te contar!

----Tá bom Humberto! Apareço sim! Tchau!

E enquanto o Dorival sumia lá embaixo no fim da rua, o Humberto coçou a cabeça e pensou em voz alta:

----Caramba! Como o Dorival é enrolado!