Causo de Beira de Balcão de Pega - Bêbado ou As Alegrias e Desavenças na Vida de um Bento
Se bem me alembro, foi pelo meio da primavera, quano um sol enfraquecido briava nas prantação i dava pra ouvi di longe u chiado dos grilo brigando pela mió fôia de comida que eli pareceu peraqui. Dinheru qui trazia no bolso dava nem pra comprá um quilo de sal. Us dono di bar não quiria vender fiado praeli, não, achanu tudo qui ia levá caloti. Mas não: pediu maniva imprestadu i feiz roçadu di mandioca. Num pedaço du sítiu, prantô uma horta di couvi, arface, i mais um monti di coisa, lá. I di veiz im quano punhava arapuca pra módi pegá juriti i cortava uns dois palmito pra engrossá u arroiz i u fejão. Hum! Queimô língua di muita gente, muita gente memu i essa muita gente logo apercebeu as qualidade daqueli um. Diziam todinstante u quanto bão era Dalberto Bento. E era! Na qui nessa banda num tinha home pra trabaiá qui nem ele, não. Home humilde nas falas, de temperamento bão, de amizades fácil. Todo dia às quatro hora da manhã, antes do primeru canto du Papa-banana, já tava dis pés, de fogo de lenha aceso, esquentandu as água pro café. Durante o dia era labuta, labuta e labuta. Trabaio duro memu. Ingraçadu é qui eli num instanti, às veiz, parava i paricia inté qui ficava pinotizadu, num viajar tremeno (num era que, si nóis dexassi, passava u dia interu olhandu pru nada?). Às veiz ria sozinhu, feitu gente quano vai u circo e si encanta com us rodopêius das motocicreta nus grobo-da-morte i as macaquices du paiaço. Às veiz parecia qui só tava memu era o corpo do dito, que sua alma tinha saído pra vortear mundo afora, pois num se amexia, nem falava. I ficava de olho parado. E aqueli olhar intrevessava inté parede. Nosso Senhor Jesus Cristo mim defenda. Ó, ó, só de falar da inté um arrupêio. I digo mais: as ideias daquele moço era dum adiantamentu du cão. Falava nas coisas dus outro praneta. Dizia inté que havia vida lá adiante, no ispaço. E que us cabras de lá era tudu verde i com as cabeça comprida i olho grande. Falava tamém nus paíse du mundu e das coisa qui si fazia i das cumida que u povo estrangeru comia pur lá. Arp! Ás veiz eu num gostava di ouvir ele falá dus istrangeru, não. Era umas coisa demais nojenta! Dizia qui us povo de lá num tomava banhu i comia cuelhu. Eu, hein! Carne de cuelhu se derrete na hora qui u bichu morre! E olhe qui só fica é u caldo! Gostava di ouvir quanu ele contava essas coisa, não. Outras coisa que vale alembrar é que Dalberto si dava bem com quarqué um. Quarqué um memu! Num havia mais nem um home, muié ô criança qui num quisesse bem àquele disgramentu. Chegava u carnaval, tava Dalberto Bento tocanu pandeiru i rudiadu das muié. Às veiz saía inté briga pur causa du sujeitu - que sabia expressionar a muiérada!... Nas festa du Santu tava Dalberto carreganu u andor, organizanu us festeju, cantanu u bingo i dançanu a noite toda, fazenu as coisa tudu ficá com sua cara. Cara di mininu-home qui tem gozo pela vida, qui num si aperreia pur causa di qui num tem ajeitamentu, não. Cara di gente filiz. Mas na vida paraplégico se sara, cobra imita gia i ratu vira murcegu. Foi bem anssim: Dalberto, no baile do Bairro Baixo, dançanu com moça vistosa, sentiu uns esbarrus qui Zeca Branco, inciumadu i cheiu di marra, lhi dava pra módi provocar confusão. Hum, hum, hum. Ó, só sei dispois é u que tá toda gente falano: que viru Dalberto passar armado de ispingarda, levano uma capanga decertu cheia di cartuchu i puxano o “Oreia” - Ave, que aquele bichu é cavalo bom mesmo. Trota bunito. Cavalero não saculeja, não. I nas hora du galopi é raio, trovoada e trovão. Teve veiz di consigui si sortá i sair coiceanu pelas rua, dexandu u povo todo doidinhu di medo. Num caso desse, Dona Nide viu levantar a pressão i si num sesse Vanilda de Zé Matias pra socorrer com um copo de água com açúca diz-que: nessa hora já taria na Santa Graça para todo o sempre, amém. Já Dalberto caminhava com aquela cara de dormente, como se tivesse passeano pelas terra di qui ele tanto falava, no meio das imaginação, dos sonhos du desavoado, respirano u ar puro misturado cum algo qui eli tinha sintido pocas veiz na vida: óido. I seu olhar di pedra já via um futuro qui num causava nem espanto, nem surpresa, nem medo, nem nada, não. E eu num tiro a razão dele, não. Num tiro, não. Agora uma coisa é certa: eu achu que ele leva a menina de Bastião Sapo simbora com ele. Senão di que adianta cabra entrá em istripulia dessa? Valei-me!
As coisa aconteceru lá no Valão da Lontra. Contam qui parecia qui a noite tava feita era para u ocorrido mesmo. Bunita qui dava inquietação, noite de cio i tocaia, noite di corpo nu chão. Inté as estrela brilhava um brilho de sangue i di lágrima quano iscorre pelas cara. Já adivinhano. Hu, hu, urubu! Tão dizenu qui Dalberto esperô inté u finalzinhu da madrugada debaixu du pé da gamelera, apertô um cigarrinho, mas não fumô, dexô impinduradu nu cantu da boca, somenti pra módi senti a ânsia da vontadi, ispéci di tratu: “depois qui eli caí lhe acendu, combinadu?” I, na sua toleração, ao longo da noite, rasgô a casca da dita árvre com uma pexera de doze polegada dexando iscrivinhado o nome du finadu companhadu da palavra “mardito”. Vocês sabi, né? Pra reconhecer u Zeca Branco é fácil. Cabra daqueli tipo ninguém nem não se ingana, não. Volumosu incima du cavalo, tenu a lua nas suas costa, alvo fixo. Apois, u primeru diz qui já pegô di cheio, cavalo nem impinô dada a velocidadi da queda. Dalbertu foi na direção du caídu, adispois foi o da misericórdia i o confere. Pior é qui daquele ninguém nem nunca isperava issu, não. Hum, essis mais quietinhu é us qui mais si gastura nas hora das briga. Eu, hein! Lembrei agora du André di Zica. Lembram dele? Eita, que aquele tamém era outro! E o fim foi ingualmente, ingualmentezinhu ingual prus dois. Inté u motivo da confusão foi u mesmo. Nóis era tudu piqueno, mas nóis se alembra. Num alembremo? É, agora é aceitar o porvir, sem u sorriso da alegria, sem a amizade daquele qui era amigo do Mundo todo. Ói, vô falá: essa Terra ia ficá mais melhó mesmo se vivesse aqui uns quatro cabra do feitio daquele Bento! Mas, Dalberto mandô gente embora, Dalberto tem de ir embora tamém. É as lei. E as lei daqui funciona! Vocês sabi, né?
Verão/2010