O Monstro da Roça

Caía a tarde no pequeno vilarejo da Aldeia de Santa Paloma da Serra Queimada. Era absurdamente impossível contemplar um pôr-do-sol tão belo em outro lugar. As cigarras entoavam uma canção ensurdecedora e a brisa suave era um presente aos moradores da Fazenda do Pau d’Arco, que, depois de um dia inteiro de trabalho árduo, recolhiam o resultado de suas tarefas cotidianas: milho, quiabo, mandioca e feijão. Nos rostos de cada um dos trabalhadores a alegria pela colheita misturava-se com o suor pelo esforço desprendido. Os cachorros em disparada rumo à mata denotavam a presença de alguma caça – talvez fosse um tatu – pensou Humberto Coca, e logo, armado de um facão, os seguiu. Uma revoada de garças em forma de V cruzava o céu destinando-se ao refúgio nas árvores dos manguezais da Ponta da Asa. A pequena Gabriela sentada ao lado de Chica, sua boneca de pano, rabiscava no chão suas primeiras letras e tentava entender como a união delas podia nomear todas as coisas. “Essa menina vai longe” – era o que todos diziam, e também era no que Dona Francisca, sua mãe, acreditava, e, na sua certeza, enchia a alma de alegrias por saber que a filha teria um futuro melhor – talvez fosse até doutora médica...

Os cestos com as colheitas diretamente depositadas na carroceria da camioneta antecipavam o trabalho do dia seguinte, quando deveriam logo cedo estar expostos na feira da cidade.

_ Eita, que o que valia mesmo hoje era uma roda de cantoria na beira de uma fogueira – disse Guido Munheca – e todos concordaram. Mas, um grito infantil e apavorante, repentinamente, cortou o ar e a paz. O que teria acontecido? Qual o motivo teria levado aquelas pobres e pacatas pessoas à angústia? A visão de um crime? Um acidente grave?

Apavorada, Dona Francisca tentava localizar a filha no meio do tumulto desencadeado, e, para sua infelicidade, viu sua pequena Gabriela desacordada ao lado de Chica e até ela, às correrias, dirigiu-se imaginando o pior. Humberto Coca, frustrado por não conseguir apanhar sua preciosa caça, voltava às pressas em socorro aos amigos. Era forte e estava armado. Ao chegar deparou-se com os outros homens já também armados com foices, espingardas e facas. Um alarde só. Dona Francisca inconformada pranteava com sua pobre menina aos braços ao mesmo tempo em que procurava alguma marca ou machucado em seu pequeno corpo. As mulheres à sua volta proferiam preces e faziam promessas diversas enquanto os homens faziam buscas à procura do motivo que levou a pequena ao desmaio. Nada, simplesmente nada. O mistério perpetuou-se até que, para a tranquilidade de todos, Gabriela, voltando a si, disse:

_ Uma cigarra pousou no meu cabelo.

Risos e um alegre alívio contagiaram a todos, trazendo de volta o sossego e a harmonia àquele pequeno, pacato e distante vilarejo.

Outono de 2008