Zé Caga Raiva
Irritabilidade representa uma das características fundamentai dos seres vivos. Todos a temos num determinado grau de sorte que a intensidade da reposta a um determinado estímulo varia de indivíduo para indivíduo.
Numa cidade do interior de Pernambuco vivia Zá Leopoldo, homem septuagenário de tez morena, cabelos e barba ralos, pouco afeito à amizades. Um autêntico sertanejo. Residia juntamente com a mulher numa aprazível chácara de onde raramente se ausentava. Nas poucas vezes que isso ocorria tinha por finalidade receber a mísera aposentadoria ou adquirir gêneros alimentícios quando por ocasião da feira semanal. Era, na realidade, um misantropo. Bastava alguém lhe dirigir uma palavra qualquer para que Zé Leopoldo se irritasse profundamente. Daí a alcunha de "Zé Caga Raiva" como era conhecido.
Por menor que fosse a interpelação o homem saía com quatro pedras na mão; não poupava a quem lhe dirigisse a palavra.
Certa feita, quando por ocasião do recebimento da aposentadoria, Zé Leopoldo estava almoçando num dos botecos da cidadezinha frequentado pelos feirantes e, alguém se dirigindo a ele cumprimentou-o, dizendo:
--- Bom dia seu Zé Leopoldo, almoçando não é ?
--- Estava; responde-lhe rapidamente. Em seguida virou o prato despejando a comida no chão para a satisfação de um velho garo que ronronava nas proximidades se aproveitando do incidente.
Noutra feita, Zé Leopoldo resolvera realizar uma pescaria num dos açudes situado nas proximidades de sua chácara. Adquiriu os implementos necessários a uma boa pescaria tais como vara, molinete, linha, anzóis, samburá, etc.
No dia seguinte já bem antes do amanhecer, Zé Leopoldo levantou-se sobremaneira disposto no antegozo de um dia que se prenunciava bastante aprazível. De posse de toda aquela parafernália indispensável à pescaria, não se descuidara do farnel pois que somente pretendia regressar no final do dia. Despediu-se da mulher iniciando a caminhada na direção do local determinado. Lá mais adiante vários trabalhadores que se dirigiam a um canavial, ao cruzarem com Zé Leopoldo o cumprimentaram, dizendo:
---Bom dia seu Zá Leopoldo, está indo a uma pescariazinha, não é?
--- Ia, responde-lhes Zé Leopoldo. E no auge da sua irritação quebrou a vara destuindo, em seguida, os demais apetrechos regressando de imediato. Era mesmo um homem de uma irritabilidade sem limites.
De há muito possuía um fusca já bastante gasto pelo anos donde, vez por outra, retirava-o da garagem e encetava uma viagem a fim de visitar alguns parentes que residiam na região. Entretanto, logo na saída da cidade havia um Posto da Polícia Rodoviária Federal e Zé Leopoldo mesmo não sendo possuidor de habilitação para conduzir o veículo, era dispensado de qualquer abordagem pelo pessoal que alí tabalhava uma vez ser bastante conhecido. Nessa ocasião, porém, ao se aproximar do referido Posto, fora abordado por um policial recém chegado àquela região que ainda não o conhecia. Ao estacionar o veículo no acostamente o policial se aproxima, indagando:
--- Bom dia senhor; está indo para onde ?
--- Estava indo, não vou mais.
---A carta e os documentos do carro por favor, pede-lhe o patrulheiro (vale ressaltar que naquela época era comum referir-se "a carta" como sinônimo de ghabilitação).
--- Imediatamente responde-lhe Zé Leopoldo:
--- Por acaso eu prometí lhe escrever ?
Rapidamente Zé Leopoldo retorna, desistindo da viagem planejada.
Haja irritabilidade.