INDIA CANÇÃO DE DESPEDIDA

INDIA CANÇÃO DE DESPEDIDA

A MORTE DE DONA DAS DORES

VÍRGULA 20

45 ANOS DEPOIS

Os raios douro-alaranjados esparrama pelas relvas molhadas por esguichos providencialmente distribuídos à molhar o gramado daquele campo santo, nesta época do ano onde o inverno ameno não impede que os raios da majestade diurna, abrasasse as frágeis folhas das ramagens rasteiras, antes cheias de um verde vivo escuro, e agora um verde cinza pálido, que recusava sistematicamente, auxiliado pelas gotículas finas, em perder o viço natural, emoldurado por centenas de milhares de arco-íris minúsculos sem fim.

Cada filha seguia o cortejo fúnebre, com pensamentos voltados para dentro de si, recordando algum fato do passado. Gema, lembra de um fato do medo de sua mãe em ter câncer, ouvindo-a pronunciar:

- Morro de medo de morrer de câncer...

Concentrando mais ainda o pensamento lembra que não faz muito tempo, ela o teve, foi tratada, curou-se do mal temido, não ficou sabendo, não morreu deste mal que tanto a amedrontava. Graça a Deus ficou boa, é, mas que deu um tremendo trabalho a isso deu.

Das Maria, uma das falas juntas da infância, cultivava também o hábito de gostar de velório, mais ali, naquele momento, estava com expressão de dor, esquecendo por completo o seu gosto, hoje já não cultiva mais nenhum desses hábitos, mas continua com sua irmã Das Graças, um elo de amizade muito grande, talvez entre todas, o mais firme, pensava como sua mãe preocupava-se com os males de todas pessoas, principalmente com as que morriam, de imediato começava a sentir os mesmos males, mas nunca passava disso, o remédio era sempre uma bronca, quando em vida do Dr. Dione:

- Cala a boca Das Dores...

O céu com infinitos tons azuis deixa-nos atônitos, com um desejo egoístico de sermos eternos a fim de que \ embriagues do momento, transforme-nos em ícones espargidos num encontro com o nunca mais. A procissão fúnebre rastejava-se lentamente ora sobre o asfalto, ora sobre a calçada, ora sobre a relva, retortando-se com uma linda cobra coral à procura de sua toca.

- Quais são as novidades, Das Graças ?...Também escutava a voz curiosa da mãe querendo saber das últimas sobre os seus netos, bisnetos, da baixinha e de todos da família, de seu marido. Lembrava e chorava acompanhado o momento da última despedida, novidade lastimável...

Dentro da urna mortuária estava em seu último sono a Dona Das Dores, serena como nunca foi, calma , deixando escrito no livro de nossa memórias uma linda estória de amor , ou melhor um lindo poema de amor, talvez uns dos mais lindos, pois fora escrito com as penas do coração.

DE Fátima foi a que mais chorou, talvez por remorso, talvez por amor, ela não era muito chegada a mãe, só visitava-a de vez em quando, sempre tinha uma desculpa no gatilho para não faze-lo, muitas vezes, ou melhor, quase sempre com uma dose de sarcástica ironia, irritando não só a mãe, como quem estivesse por perto, mas telefonava todo dia. O pensamento que lhe corria pela mente tornava-se difícil de capta-lo, mas lhe reservando o direito de sentir dor, talvez pensasse:

- "Mãe, eu lhe dei pouca assistência, mas leve com você meu último abraço... E chorava, chorava.

Agora a filha caçula é um caso a parte, verdadeiro tormento, Cida e dona Das Dores viviam uma convivência tempestuosa. Desde o dia que a filha assumiu o homossexualismo, a mãe não foi mais a mesma, lógico não deixou de ser mãe, mas guardava uma ponta de decepção muito acentuada. Não perdia a oportunidade de falar:

- O meu sonho é ver a Cida dar a luz...Isso mesmo ganhar neném...

Muito embora, a preocupação aumentou muito, chegando mesmo as raias da loucura, da obsessão sem limites. Haja sofrimento.

A cabeça da filha fervilhava, do remorso à sensação de liberdade:

- Agora eu quero ver quem vai me segurar nas sextas-feiras, vou encher a cara de cerveja, vou mulherengar a vontade, sem hora, para sair sem hora para chegar, ninguém mais vai ficar no meu pé, há que bom, mas por outro lado será que isso não vai me deixar um vazio danado? Só de pensar já sinto um gostinho de chifre queimado na garganta, oh meu Deus, como dói o sofrimento. Minha mãe você mal partiu e já me está fazendo falta...

O Leo de Lima, cabisbaixo, cercado de toda a sua prole, três filhas lindas, Lola, Luar e Valda, sua mulher Mymu, os pais dela, Sr. Pedro e Dona Cristina, acompanhados também dos filhos, seguiam em direção do local do sepultamento, saindo da calçada e pisando sob a relva macia.

- Minha mãe, perdoe-me pelos males que lhe fiz, receba as bênçãos de Deus, pela sua missão cumprida, chorosos continuaremos a escrever a sua estória na face da terra, a sua presença está garantida ao futuro, em nós...

Ao abaixar o caixão à sepultura, emocionada, Gema canta a Guarania Índia, como última homenagem à sua querida mãe, aquela foi uma canção usada pela mãe como música de ninar cobrindo toda a prole. (Ainda se faz ouvir na beira dos berços do passado distante, mas no Dia das Mães do ano 2.000, Gema cantou essa música num aparelho de karaokê que instalado na casa dos pais. Embevecidos ouviram-na , dona Das Dores sentada numa banqueta e Sr. Onofre, encostado no seu ombro, saboreando a voz da filha naquela lembrança tão profunda e tão viva. Ao encerrar os acorde no cemitério, ouvia-se o choro de todos os presentes emocionadas com o episódio, tendo como pano de fundo o por do sol alaranjado, contraposto por alguma nuvens escuras prenunciando um frio mais intenso no corpo físico, embora o frio da alma é cortante como se aquela dor não fosse mais acabar. Alguns permanecem indiferentes com o episódio, o acontecido não lhes dizia nada; outros, poucos, desprovidos do espírito de solidariedade cristã, classificavam a beleza do espetáculo humano, como ridículo, como não poderia deixar de ser, somente a nora, a única cunhada assim procedia, pois num momento solene, teve a mesquinhez de assim classifica-lo, de além de ridículo como marketing pessoal, não conseguia mais em momento algum esconder a inveja obsessiva que sentia de Gema, já observada por todos os parentes, em várias ocasiões.

Passados sessenta e dois anos de vida a dois, o seu companheiro de jornada desencarna, deixando-a só, desamparada, numa solidão sem fim.

-Vou morrer, estou muito doente, falava e ninguém acreditava.

-Não agüento mais, a saudade me sufoca.

- Onofre, cadê você ?

- Margarida saudade mata ?

- Gema saudade mata ?

- Dona Ana saudade mata?

- Maria minha irmã, saudade mata?

Pergunta que fazia a todos nos seus últimos 34 dias de vida sem Onofre.

-Me deixou só, não tem um só lugar no mundo que me serve.

-Eu quero você meu bem...

Descortina-se nesse momento o azul do céu, dando passagem a uma linda carruagem de sonhos e orações, puxados por todos os animais ferrados pelo Sr. Onofre, cavaleiro da paz, que veio com a autorização de Deus, buscar a sua amada Das Dores, continuando ali a estória de um simples amor eterno...Sem fim.

Goiânia, 19 de outubro de 2010.

jurinha caldas
Enviado por jurinha caldas em 22/11/2010
Reeditado em 22/11/2010
Código do texto: T2631120
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