Cinquenta mil réis

No sertão nordestino região de homens trabalhadores, honestos e, sobretudo, sofridos diane da inclemência das persistentes estiagens, era voz corrente que se alguém quisesse perder uma amizade emprestasse dinheiro. Geralmente quando alguém solicitava um empréstimo a um amigo e se vendo impossibilitado de cumprir a palavra empenhada referente ao pagamento numa data pré estabelecida, evitava se encontrar com o seu credor até que houvesse condições para saldar a divida contraída. Era no tempo que que um fio de cabelo do bigode valia muito mais do que a assinatura numa nota promissória. Uma vez saldada a dívida os encontros retornavam à normalidade.

Ocorre, entretanto, que no seio de uma maioria honesta existiam aqueles tidos como "velhacos", os quais tinham por hábito solicitar dinheiro emprestado valendo-se de alegações as mais exdrúxulas e com a maior desfaçatez deixavam de honrar a palavra empenhada, evitando encontrar-se com o credor. Semelhantemente como o diabo foge da cruz.

Em consonância com o exposto, vivia numa dessas regiões do sertão nordestino figura bastante conhecida tendo em vista o arraigado hábito de solicitar dinheiro emprestado sem o cumprimento da palavra empenhada. Malandro de "carteirinha" Zé Facadinha, alcunha pela qual se tornara conhecido, tinha profunda aversão a trabalho vivendo constantemente na dependência daquilo que conseguia através dos empréstimos solicitados, ludibriando a boa fé de alguns incautos. Apesar das inúmeras admoestações que lhe dirigiam, persistia indiferente.

Por outro lado, além das poucas pessoas possuidoras de tal comportamento como no caso de Zá Facadinha e outros, a verdade é que a grande maioria se tratava de homens de bem, trabalhadores e, acima de tudo, respeitáveis. De reputação ilibada mesmo. Exemplo de correção Antonio Rico, morador de um aprazível sítio onde cultivava milho, feijão, mandioca, algodão além da criação de várias cabeças de gado leiteiro. Casado em segunda núpcia; chefe de numerosa prole era pessoa bastante querida naquela região.

Numa determinada ocasiãom, Zé Facadinha ao se encontrar com Antonio Rico lhe solocita cinquenta mil réis emprestados alegando que um parente seu acometido de pertinaz moléstia necessitando de cuidados médicos urgentes que lhe deviam ser dispensados na capital do Estado. Face a premência em que se encontrava dava-lhe como garantia a palavra de que dentro de no máximo trinta dias saldaria a dívida contraída. Contristado com a pseudo-desventura de Zé Facadinha, Antonio Rico atende-lhe a solicitação, não tendo a menor sombra de dúvida quanto ao cumprimento da palavra empenhada. Esgotado o stempo aprazado, Zé Facadinha procede como nos casos anteriores deixando de honrar a palavra empenhada, passando a evitar encontrar-se com o seu credo.

No transcurso dos seus sessenta anos de idade, a família de Antonio Rico cumprindo antiga tradição local, prepara-lhe uma festa em comemoração ao evento. Nessas condições quando o chefe de família completava sessenta anos de idade, os familiares em regozijo à data não poupavam esforços para registrar o acontecimento da melhor forma possível. Foram abatidos um boi; vários bodes e carneiros; perús, galinhas; contrataram um sanfoneiro; providenciaram bebidas enfim, tudo para que nada faltasse ne decorrer dos três ou quatro dias de duração da festa.

Em ocasiões semelhantes não apenas os familiares como, também, os amigos deveriam marcar presença uma vez que o não comparecimento era considerado como uma grande falta de atenção ao homenageado. Sabedor do acontecimento, Zé Facadinha ao comparecer, aproveita uma oportunidade em que o aniversariante se encontrava em animada conversa numa roda de amigos e, supondo que o momento não seria propício para a cobrança da dívida contraída, se aproxima de Antonio Rico para cumprimentá-lo, exclamando:

---Sessenta não é seu Antonio Rico ?

---Não, responde-lhe o anfitrião diante de inúmeras pessoas alí presentes. Pode me ´pagar somente os cinquenta mil réis que etá me devendo sem a necessidade dos juros por tanto tempo de atraso.

wellmac
Enviado por wellmac em 20/11/2010
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