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Zé Laurindo, Herói do Sertão
Consta ainda nos arquivos municipais de Desencanto, pequena cidade do agreste nordestino, o nascimento de Zé Laurindo, nas primeiras horas daquele agosto agourento de 1929. Êta caboclinho feio que só ele, mirradinho, e rapinha do tacho dos pais, já meio idosos e judiados pelos muitos anos de seca e descaminhos pela caatinga.
Zé Laurindo veio ao mundo sem vontade verdadeira dos pais, mas já que tinha vindo, era mais um retirante a sofrer as injustiças daquela vida do sertão nordestino, errando aqui e ali a implorar pelas migalhas dos senhores de terra.
De vez em quando se defrontava com uma trupe de jagunços: homens rudes, barbados e curtidos pelo implacável sol sertanejo, com suas roupas e perneiras de couro, armas enferrujadas e carregadas de sangue, a mando e desmando dos coronéis e latifundiários. Gente supersticiosa, invocando a todo o momento a proteção de Nossa Senhora contra o Cujo, o Demo.
Zé Laurindo então sonhava em ser um deles; cabra macho e fiel; nunca mais passaria fome ou sede. Mas essa não era a vontade de seus pais, tementes a Deus e sem inclinação para a violência. E Zé Laurindo seguia seu rumo, acompanhado da família e dos irmãos miseráveis, bebendo água de cacto.
Ás vezes a sorte dava as caras, e acabavam topando com algum calango, macaco-prego ou até mesmo algum veado catingueiro para alimentar o corpo seco e a esperança de tempos melhores. Mas a maioria dos dias era mesmo de fome e desilusão.
Enquanto errava pelas regiões de solo seco e raso, quando em vez parava para ver as mulheres casamenteiras, esperando nas janelas de barro batido pelo amor que viria e as levaria para longe daquele sofrimento. Mas o olhar era vazio.
Aos poucos, após a morte dos pais e a debandada de seus irmãos, todos emigrados para as cidades do Sudeste em busca de dias melhores, Zé Laurindo, já do alto de seus vinte e poucos anos, ia aos poucos entendendo e se resignando com seu destino: da fome e da seca ele viera, não era diferente de seus co-irmãos severinos; mas tinha o brio de um povo aguerrido, driblava a morte a cada dia, e com o sol a pino sobre o chapéu de couro seguia seu rumo, até quando Deus permitisse.
Zé Laurindo era franzino de corpo, mas gigante de alma...
Obs: singela homenagem a Guimarães Rosa, Graciliano Ramos e João Cabral de Melo Neto.