DOIS CAIPIRAS E O AVIÃO A JATO

Na minha adolescência trabalhei certo período na fazenda deus me livre, arrendada por meu pai, na divisa dos municípios de Martinho Campos e Bom Despacho. A fazenda com este nome um tanto estranho, segundo conta a lenda foi devido ao numero assustador de animais peçonhentos ali existentes. Ninguém gostava de trabalhar no local; (deus me livre das cobras)! Era a resposta dos caboclos que deu nome a fazenda, e que no final ficou apenas deus me livre.

Pelo final da década de cinqüenta meu tio irmão de minha mãe era o administrador contratado por meu pai, e eu o ajudava. Época de nós caipiras mais desinformados que um tatu numa quadra de concreto tentado cavar sua toca. Fazia pouco que surgira o radio a pilha. Um bem de alto custo e considerado pelos poucos que dispunham de recursos para adquiri-lo como coisa supérflua. Meu pai já um pouco mais esclarecido se sacrificou e adquiriu um. Foi um sucesso uma vez que deveria ter menos que uma dúzia a bateria por aqui. Ficamos empolgados e felizes com esta aquisição, coisa raríssima.

Durante a semana eu trabalhava La no deus me livre, retornado a cavalo no sábado à noite. Segunda feira de madrugada estava de volta no lombo do cavalo para mais uma semana na lida com o gado. Voltava sempre levando as noticias do repórter Esso e outros. Ficava todo garboso ao satisfazer a curiosidade do tio que aguardava ansioso querendo saber as novidades.

Qualquer acontecimento sem muita importância era um prato cheio pra nós com o nosso caipirismo. Geralmente quando passava um avião sobrevoando um pouco mais baixo era um espetáculo que nós apreciávamos.

Certo dia enquanto eu terminava de ordenhar as vacas dentro de um coberto, o tio saiu pra buscar um cavalo no pasto. Derrepente ele chega correndo apavorado gritando: - Nossa virgem corre vem ver um avião pegou fogo corre, corre pro cê vê! Sai fora do coberto um avião nas alturas La pra dez mil pés acima, deixando o rastro de fumaça, acompanhamos seu trajeto até ele sumir no horizonte. Ficamos penalizados imaginando quantas pessoas estavam queimando naquela altura, que angustia seria, um tamanho sofrimento. Chocados passamos a semana preocupados, querendo noticias. No sábado ao sair o tio disse-me -, oia num vai isquecê de pega nuticia do avião! -Deixa cumigo tio! Ouvi todos os noticiários quase acabei com a pilha do rádio que era uma bateria grande numa lata cheia de pilhas usadas em lanterna interligadas umas nas outras.

Quando retornei a primeira coisa que me perguntou foi pelo desastre do avião. Nós preocupados não conseguimos noticia alguma. O tempo foi correndo vez e outra, outro avião passava deixando seu rastro de fumaça até que descobrimos que era o potente avião a jato que fizera os dois jécas quase morrer de pena dos seus ocupantes. É nisso que dava a gente ser tão caipira!

Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 08/11/2010
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