A Raiz do Problema
Marcelo é um rapaz trabalhador, ‘tá ligado? Todo dia ele acorda às sete horas da manhã para começar a se preocupar com o que ele precisará ensinar aos seus alunos nas aulas de química. De vez em quando, Marcelo se arrepende por ter tentado uma carreira tão estressante como a de professor. Entretanto, nada o deixa mais contente do que saber que está fazendo seus alunos saberem.
– Filho da puta já começou a baixaria.
É o que Marcelo diz ao ouvir os gritos vindos da casa do vizinho do outro lado da rua. O tal de Tito é um maníaco, pensava ele. O cara sabia como perturbar, todo santo dia. Parecia que ele possuía uma programação feita especialmente para irritar a vizinhança. Nas segundas e quintas-feiras, o maldito brigava com a esposa. Mas não era uma briguinha qualquer, não. Era briga de tapa, gritos, e, quem sabe, até alguns socos.
Óbvio, antes que você pense, que a vizinhança já ligara para a polícia. Mas, adianta? Mulher de malandro parece gostar de apanhar. E Tito é o malandro mais malandro do planeta. Quando as autoridades chegam na casa, o clima já está mais pacífico.
– E o olho roxo, moça? Como você explica?
– Briga no trabalho.
– E no que você trabalha?
– Sou enfermeira.
– A-hã. Sei. Emprego difícil, não?
– Principalmente quando surge algum psicopata ou estuprador doente. Ser enfermeira é perigoso nesses dias. Principalmente quando você é bem dotada de um corpo maravilhoso.
– A-hã. E as crianças, como vão?
“Uma merda”, pensava Marcelo ao ouvir o policial falando. Marcelo lecionava para os guris de Tito. Eram uns dois piás, uma menina e um menino, cheios de piolhos. As crianças vinham com uma fome desgraçada para a escola. Os professores, geralmente, juntavam um dinheiro para conseguir pagar alguns almoços para os dois.
– E seus pais não ligam para vocês? – Perguntava Marcelo.
– Ligam sim – Respondia a menina mais velha.
Lógico que respondia que “Sim”. Se o Conselho Tutelar passasse por aquela casa, as crianças apanhariam como se não houvesse amanhã. Ao menos essa era a ameaça feita pelos pais.
O problema não são as brigas familiares ou a completa falta de humanidade que aquele gorila albino possuía. O problema era maior nos finais de semana, quando aquele filho de uma puta começava a beber.
Bêbados são legais quando sabem como beber. Eles ficam alegres e conversam com você numa boa. Cantam as canções, comem o que vier e, o melhor de tudo, sempre possuem uma boa história para contar no final de semana seguinte. Uma pena que Tito não era um bêbado legal.
Tito era o verdadeiro exemplo de bêbado sujo. O dinheiro que ele poderia estar gastando para ter uma vida digna era todo jogado na merda que é a bebida sem controle.
Ele tinha uma carroça deprimente. Não poderia se chamar aquele Chevette usado e mais rodado que bolsa na Vila Mimosa de carro. Apesar de ser um carro velho, ele possuía um sistema de som que custava R$10.000. O sistema de som, sozinho, vale mais que o carro.
Tito era um inútil.
E ele aumentava aquele som como se fosse uma velha surda. Ficava das três horas da tarde até à meia-noite com o som ligado. E o pior é que ele estava em seu direito. Afinal, a lei do silêncio prescreve que sons altos podem ser emitidos das sete da manhã até a Meia-noite.
Marcelo tinha apenas os sábados e domingos como seus dias de descanso. Entretanto, não podia descansar justamente por causa de um gordo nojento que gostava de perturbar os outros e causar algazarra durante os finais de semana.
Marcelo possuía um amigo – O Diego. “Dieguito” era um conhecido músico da cidade. Não bebia. Aliás, Marcelo também era um cara que não bebia. Muito. Não bebia como Tito (Até por que isso é impossível. Ninguém gasta tanto dinheiro com álcool e manutenções em sistemas de som como Tito).
Diego era o apoio moral que Marcelo tinha para não tentar fazer justiça com as próprias mãos. O argumento de Diego era sempre o mesmo:
– Se tu matar um merda desses, tu vai acabar preso. É isso que tu quer? Quer ir preso por fazer a coisa certa? Não, né?
– Mas, porra Dieguito, o cara não presta pra nada e ainda causa problema. Eu deveria ir lá e pelo menos tirar os filhos dele de lá. Quem sabe eu colocava um pouco de luz na cabeça daquela cadela da esposa dele.
E aí, a conversa acabava. Papo de amigo. A vontade reprimida de matar alguém sempre é discutida com o amigo mais próximo.
Os dois não bebiam, mas havia algo que os deixava de boa. Maconha. Eles fumavam Maconha, sim, mas não incomodavam ninguém. Uma amiga de Diego trouxera sementes de maconha da Índia. “Lá o negócio é danado”, dizia a amiga de Diego. “O pessoal fuma maconha como se não houvesse amanhã. Trouxe umas sementes”.
Diego ficou um bom tempo cultivando aquele pé. Não era, necessariamente, um viciado. Os dois admitiam que fumavam para muita gente, mas era raro. Era bom e raro.
Fechavam-se na casa de Marcelo e fechavam as cortinas. Punham um sonzinho, baixo, para relaxar e, sentados no sofá, puxavam seus cigarrinhos e tragavam a fumaça. Estavam numa boa. Não incomodavam ninguém, geralmente.
Após uma semana de trabalho exaustivo, Marcelo recebeu a notícia que, naquela noite, fumaria unzinho. Ficou feliz. Precisava desestressar e não conhecia outra maneira para fazê-lo. Sabia que havia várias maneiras para desestressar, mas aquela era a única que funcionava com ele. Algumas pessoas bebem. Algumas jogam. Algumas ouvem música. Marcelo e Diego fumam maconha.
Chegou em casa e fez todo o procedimento. Fechou cortinas. Ligou o sonzinho e, junto à Diego, começou sua peregrinação para os mundos mais além. Algumas vezes, pensava que aquilo poderia prejudicá-lo seriamente. Sabia que, se continuasse no seu ritmo, não haveria problema. É só um pouquinho por mês. A amiga vinha da Índia. Diego ganhava as sementes. Eles plantavam. Esperavam crescer. Fumavam. O processo se repetia. Nada de traficantes. Nada de dor ou sofrimento.
– Aê – Chamou Marcelo. Diego estava na cozinha, preparando algo para os dois comerem. – To com vontade de falar umas verdades pro Tito.
– Não faz isso cara. Vai que o filho da puta chama a polícia. Tu sabe como é, né? A gente é melhor que ele, mas se a polícia nos vê com isso aqui nós vamo apanha pra burro.
As palavras de Dieguito soaram como mágica, invocando o “Inimigo”. A polícia arrombou a porta da casa de Marcelo e entrou no recinto. Sentiram o inconfundível cheiro de Maconha no ar e apontaram suas armas para a dupla.
– Mãos na cabeça, vagabundagem! – Os dois, imediatamente, levaram às mãos à cabeça. O policial arrancou-lhes os cigarros da boca. – Maconha, baderneiros do caralho? Pro camburão, bando de vagabundo!
Enquanto os dois iam para o camburão, Tito e seus amigos riam e bebiam de suas cachaças. O som alto do Funk carioca se espalhava por toda a vizinhança, enquanto que a esposa mandava o filho mais novo para dentro de casa, pois ele aprenderia a nunca mais derrubar um copo do pai.
– Leva esses vagabundo pra cadeia mermo, seu guarda! Desde o primeiro dia em que eu moro aqui que eu sabia que esse aí é maconheiro! Espero que meu telefonema tenha sido útil!