A FOFOQUEIRA

A fofoqueira

No inicio do seu reinado, seu trono era diferente., assim como os súditos, e a importância que era dada aos acontecimentos. Ela chegava por volta de oito horas da noite e iniciava suas atividades na Marquês de Sapucaí. No fim da madrugada, quando seus clientes tinham ido para o trabalho e o sol começaca a despontar, ela corria para sua “casa”. Largava o muquifo que era a velha pensão para moças de “fino trato” e corria para a Central do Brasil. Pegava o trem, que àquela hora ia com todos os vagões bem vazios, e começava a cochilar, de acordo com o solavanco do trem. Chegava em Marechal Hermes, ela descia rapidamente as escadas, e fingia vir bocejando. Ali na rua em que morava com sua tia, ela era uma moça respeitada, recatada, dedicada. Trabalhava como dama de companhia em Copacabana, na casa de uma família de gente rica. Ganhava muito bem, pois a senhora idosa que ela acompanhava, dava muito trabalho, e ela chegava em casa exausta. Ninguém jamais parou para fazer as contas de quantas vezes a pobre senhora idosa, tinha ido para a unidade de terapia intensiva e voltado. Parecia mais forte do que gato, tinha muito mais que sete vidas. E Rosineide da Ajuda levantava as mãos para o céu, por conservar a vida de sua senhora.

Os filhos da senhora eram muito bons para ela. Lhe davam presentes e mais presentes, sapatos de salto alto, bolsas, jóias e até mesmo lingeries. Rosineide tratava a senhora com tanto carinho que tornava-se merecedora de todos os presentes que levava para casa. Quase todos os dias chegava com uma novidade e enchia as moças da vizinhança de inveja. E quando ela saía aos domingos toda arrumada e enfeitada, parecia uma moça fina de tão chic, seus trajes e acessórios estavam sempre nas revistas de moda.

Dona Ernesta via o tempo passar e sonhava com um casamento para a dedicada sobrinha. Assuntando com suas velhas amigas e conhecidas, indagando daqui e dali, descobriu que o Sr. Ferreira, um coronel reformado da Aeronáutica, viúvo, pai de duas filhas, professoras já casadas, apreciava a formosura e o recato da Rosi.

Um ano depois Rosi dava a luz ao seu único filho, o Edgar. Era um menino feinho, de cabelos crespos, e o rosto sem expressão, o Ferreira babava o filho como se fosse uma leoa lambendo a cria, e logo, logo, o bebê passou a tomar mamadeira, pois a pobre Rosi não tinha mais leite. Dr. Pedro de Medeiros, famoso obstetra e ginecologista do bairro teve pena da Rosi e receitou-lhe um remédio para secar o leite, pois custava-lhe acreditar que tão formosa moça, agora mulher teria seus peitos estragados para amamentar um bacuri, filho do otário Ferreira.

A infância do menino foi acompanhada por uma série de professoras particulares, babás e empregadas. Estava no inicio da adolescência quando ficou órfão de pai. O Ferreira teve um derrame, foi hospitalizado e faleceu. Sua alma, com certeza descansava em paz, conforme Rosi contava detalhadamente para todos que tivessem paciência para ouvir, aquela tragédia. Ele falecera em seus braços. Na hora da visita, ele começou a apresentar uma certa inquietação, e Rosi não teve tempo de chamar a enfermeira, teve que abrir a porta e sair correndo, quando viu que ele estava morto, morrera tão rapidamente. Pobre Rosi, ficou viúva, com um filho adolescente.

Edgar ingressou na Marinha dois anos depois e ao receber sua graduação, fez a volta ao mundo em um navio escola. Um ano depois já estava casado e era pai de um casal de gêmeos.

A inconformada e pobre Rosi ficou só. A casa em Marechal Hermes era enorme, e seu filho gostaria de morar com a mãe, mas esta afirmava que ficaria bem e depois ele estava recém casado tinha que aproveitar a intimidade de sua família. No primeiro aniversário dos gêmeos, os amigos de Edgar ficaram surpresos, com tanto luxo e pompa. A decoração era um primor, tudo perfeito. E Rosi continuava sua vidinha. Fazia ginástica na academia, ia sempre à praia na zona sul, comprou um carro, aprendeu a dirigir, e já tinha dado as primeiras esticadas nas faces. Uma correção aqui, um puxão ali, estava com sessenta, ou perto dos sessenta. A vida tinha dado a pobre dama de companhia, um marido maravilhoso, um filho exemplar, e netos lindos. Ela só não gostava da nora. Achava a moça sem graça, aguada. Pelas costas da Doralice ela comentava com suas amigas. É uma ignorante, analfabeta, cafona.

Doralice nem suspeitava da antipatia que inspirava à sogra. Era uma moça clara, quase loura de enormes olhos azuis, alta, magra, professora de inglês lecionava na Cultura Inglesa, e estava fazendo mestrado na UERJ, mãe dedicada, quando visitava a sogra, pensava para si mesma, ela está cada vez mais jovem, se cuida, não tem rugas, e tem uma plástica invejável.

Rosi tinha muitas amigas e participava como voluntária da obra social de mais de uma igreja. Saía muito, de seis em seis meses, desaparecia e voltava cada vez mais jovem e sensual. Até seus lábios não escaparam das mãos do cirurgião. Nunca estava em casa, pois era muito caridosa e ia sempre a igreja aos domingos,pela manhã, sábado à noite e todas as outras ocasiões que poderia oferecer seus préstimos para todos os necessitados. Seu filho, nora e netos quase não a viam, ela estava sempre ausente, ocupada com suas obras sociais.

Seu reinado continuava por quase quarenta anos. Agora um pouco cansada, já não se dedicava tanto a caridade como voluntária, mas ainda era solícita, colocava uma cadeira bem confortável na garagem de sua casa e ficava quase o dia inteiro, ajudando os que precisavam, servia água gelada para os garis que recolhiam o lixo, conhecia um por um, todos aqueles pobres trabalhadores, suados, de músculos bem desenvolvidos. Sabia cada drama que eles passavam. E o catador de plásticos, jornais e papelão, das vizinhas que moravam na outra rua e vinham da feira. Quantos alunos tinham sido reprovados em cada turma da escola que ficava ao lado de sua casa. Ela tinha uma memória exemplar, e sabia muito, poderia fazer um jornal de bairro com tanta informação, e olha que era informação diferente, de todas as áreas. Se a esposa do PM que havia sido assassinado era culpada, ela já tinha até a teoria da reconstituição do crime. Agora reinava absoluta em sua feminilidade. A única angústia e terror era ter que usar um par de óculos. Tentara as lentes de contato e não se dera bem.

Certa vez, conversando com uma vizinha sobre a Silvinha a esposa do dono da agência de carros importados na Barra, ela deixou escapar um comentário; _ É ele me contou que ela é muito devagar, a senhora me entende, não é, e piscou os olhos com um sorriso maroto. A vizinha desconversou e foi embora. Passou outra moradora das redondezas, uma jovem abraçada com o namorado, ela logo comentou para a companheira a outra vizinha que também se sentava na cadeira para pegar sol, ar, luar e falar mal da vida dos outros. – Você viu Sebastiana, ela estava sem calçinhas. A outra respondeu: - Essa juventude está perdida, que coisa imoral. A Rosi soltou outro comentário: _ Que nada, hoje está calor, vai ver que ela precisa tomar uns ares, pois está muito quente e também você repara tudo, afinal eles são jovens na certa estão indo para o motel que fica lá na principal. É assim mesmo. Você não foi aproveitou a vida? A vizinha ficou furiosa e respondeu: - Eu me casei virgem. Rosi acenou para ela, e segredou ao seu ouvido: - Deixa de ser boba, eu não acredito nisto não ,e cá entre nós, somos amigas, não precisa me esconder nada. Ou você pensa que eu não te reconheci. Quando o caminhão chegou com sua mudança, eu pensei: - Como este mundo é pequeno, jamais pensei que a galega ia vir morar para cá. Nossa, faz tempo que não tenho notícias dela. Você se lembra da Sapucaí. É verdade que o russo foi assassinado, e a Glorinha morreu de AIDS. Ficaram conversando por algumas horas. Até que a fome apertou. elas se despediram e entraram. Rosi tomou um banho, vestiu-se com esmero, almoçou e saiu. Eram cinco horas, tinha que chegar cedo.

Ao estacionar dentro de sua enorme chácara em um subúrbio da baixada, a noite caía e viu que as coisas não seriam fáceis , tinha que dominar algumas jovenzinhas, elas estavam teríveis não queriam comparecer com a grana. Teria que falar com o Carlão para dar uma dura nelas. Realmente a noite não foi fácil, as meninas precisavam de estímulos, algumas já estavam passadas, mas Rosi como sempre se apiedava de todos e as mantinha, mesmo sabendo que elas eram umas espanta clientes, pois além da péssima aparência de drogadas, não davam conta do recado como antes. Eram decadentes. Precisava sacudir a poeira e deixar de se apiedar se quisesse se manter sentada no trono. Não era fácil para uma rameira de quinta categoria da Sapucaí, agora proprietária de uma casa de diversões, manter-se no ramo, sem ajuda de sócios. E ela foi para casa, pensando, amanhã vou acabar com isto, mando dar um sumiço nelas, e ligo para aquele agente que me ofereceu carne fresca.

Chegou em casa, estava cansada, era meio de semana, o movimento tinha sido fraco, e um cliente drogado fez um escândalo. Ela teve que liberar uma grana para o delegado não fechar seu estabelecimento. Tentou dormir, talvez estivesse cansada, mas há muito tempo o que a atormentava mesmo era a lembrança de inúmeras cenas, o Ferreira, aquele porco, que queria agarrar-se à sua vida, e ela o matou lentamente, uma meia dúzia de clientes, que ela furara com sua pequena navalha, e os espectros dos abortos que tinha despejado no consultório do Dr. Álvaro. Teve um ano que foram sete. Ah!, viveu num tempo difícil, nem existia pílula para evitar filho. Os espectros a rodeavam. Ela lembrou-se de um barato novo, que um dos seus amigos o Paulinho tinha lhe presenteado. Apanhou algumas gramas do pó milagroso e cheirou até que tombou inconsciente por algumas horas.

Duas semanas depois, encontrou-se com o filho e avisou-lhe solenemente: - Toma cuidado com a Doralice. E entregou para o filho verdadeiro dossier. Lá tinha tudo, fotos de Doralice com um suposto amante, cartas forjadas, e outros detalhes infames. Edgar sacudiu os ombros e respondeu-lhe: - Mamãe não se preocupe comigo, eu também dou meus pulinhos, e a Doralice a senhora sabe é muito lerda, não tem capacidade nem para inventar uma mentira, este cara da foto aí é meu melhor amigo. Estamos aprendendo a jogar tênis juntos, e olha mãe a mulherzinha dele é um filé.- Edgar, ela insistiu, ela tem outro. O filho desconversou e Rosi desistiu de tentar abrir os olhos do filho.

Certa tarde logo após o almoço, a vizinha veio segredar-lhe o seguinte caso: -Soube de fonte fidedigna que um alto oficial da Marinha tinha sido pego em um motel em Nova Iguaçu, em plena luz do dia. O constrangimento maior é que ele estava participando de uma orgia junto com a esposa. O que pegou foi que o casal que estava com eles eram da pesada e cheiravam muito. Ah! O nome, ela tinha que se lembrar, espera aí, não era, Edgar, sim era o Edgar e a Doralice. No mesmo instante, a Rosi levantou-se da cadeira,e foi para dentro de casa, pegou o telefone ligou para meia dúzia de amigos, enquanto se arrumava para ir para a delegacia, tentar livrar a cara do filho. No meio do caminho ia pensando, só podia ser isso, o lerda do Edgar, era mesmo o filho daquele pedreiro gostosão que era o seu preferido. Suado, pobre e desdentado, mas muito tesudo, que quase fez ela perder a cabeça mais uma vez, a sorte foi que ele se machucou feio depois que apanhou do salto do seu sapato e resolveu deixá-la em paz, pois ameaçava fazer escândalo em Marechal Hermes. Uma coisa pelo menos ele tinha de bom, o seu filho o Edgar era como ela, perfeito ator.

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 06/11/2010
Código do texto: T2599682
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.