Célia a empregada mais que perfeita
Célia a empregada mais que perfeita
Célia era empregada na casa de Carmen. Para a patroa ela era perfeita. Carmen não se cansava de elogiá-la. Proclamava aos quatro cantos do mundo a perfeição de sua empregada. E sentia-se realizada ao ver os olhares de inveja, cada vez que dissertava a lista enorme das qualidades e atributos de Célia.
Os anos foram passando, a medida que Carmen progredia profissionalmente, afastava-se cada vez mais de casa, da filha e do marido. Entregou aos cuidados da casa para Célia. Pequenos detalhes como fazer compras, pagar contas, etc. Carmen acreditava que a recompensava sinceramente, pois ela tinha seus direitos trabalhistas assegurados, seu salário era o maior que poderia ser pago a uma empregada com suas funções, enfim tudo era perfeito.
Rosa, a filha única de Carmen, casou-se e logo Sofia chegou. Por indicação de Carmen, Célia cuidou da menina no primeiro ano de vida. Carmen para não ficar sem ajuda em casa, contratou uma moça bem jovem e elétricaCélia passou a trabalhar na casa de Rosa. Carmen estava tão acostumada com Célia, que desconfiava sempre da nova empregada. Cismava que ela não limpava direito, achava que ela não atendia ao telefone, enfim arrumou uma maneira de vigiá-la, controlá-la mesmo. Sem que ninguém soubesse, aproveitou a folga da empregada e uma viagem do marido a serviço e mandou instalar câmaras por toda a casa. Ela achava que tinha alguma coisa errada com a moça. Exercicia uma ferrenha vigilância na coitada, que sem saber que era vigiada, agia normalmente com muita tranqüilidade e fazia rapidamente seu serviço, quando terminava, ia correndo para seus livros e cadernos, pois estava terminando o Ensino Médio em uma escola noturna.
Logo após o primeiro aniversário da neta, Carmen exigiu que a menina fosse para uma creche, pois sentia muita falta de Carmen, e de certa forma estava ansiosa para que ela voltasse. Não tin há encontrado nada de errado na empregada nova, mas continuava implicando, alegava para si mesma que era sua intuição feminina.
Célia voltou e Carmen ficou radiante. Poderia continuar ostentando o brilho de sua jóia para as invejosas amigas, até mesmo para a filha, que segundo ela não sabia ser uma boa patroa, não tinha postura com a cozinheira, e a faxineira. Célia contava tudo diariamente para Carmen em longos telefonemas que dava para ela, enquanto a menina dormia.
Carmen estava descansando no sofá e resolveu aproveitar a quietude da casa para rever algumas cenas da antiga empregada. Ligou a televisão e procurou, vasculhou, não encontrando nada. Depois resolveu ver as cenas com Célia. Queria fazer uma surpresa para o marido e mostrar-lhe as novidades que tinham em casa. Além do sistema de segurança, os alarmes e o carro novo importado que tinha comprado com sua promoção.
E lá estava Célia cantando feliz, lavando o banheiro. Esfregando uma escova no vaso sanitário da suíte de Carmen e Heitor. Carmen voltou um pouco o filme e repassou as cenas sorrindo para si mesma, pensando no tesouro que tinha naquela empregada. Quando atentou para o detalhe, conhecia aquela escova. Sim, conhecia, era a sua escova de dentes de cerdas macias, importada e muito cara. Chocada, viu e reviu a cena. Não acreditando, logo desculpando mentalmente a Célia, talvez ela tivesse se enganado, achando que a escova era velha e não estava mais sendo usada. Não queria desagradar a empregada e resolveu comprar outra escova. Aquilo era uma besteira. Até que foi chamada a realidade pelos gritos altos e os palavrões que ouvia da filme a sua frente. Olhou e fixou o olhar na cena , abismada. Célia com os cabelos molhados, gemendo de êxtase e prazer, estava montada em Heitor que gemia como um louco. Eram dois animais no cio. O sangue de Carmen subiu, ela congelou a imagem, não sabia se chorava, se gritava, se corria ou se matava. Não podia ser. Aquilo era uma pegadinha. Levou tempo para cair em si. Não quis jantar, não quis tomar banho. Quando Heitor voltou de sua viagem de trabalho, no domingo de manhã, ela não falou nada. Engoliu em seco. Alegou que estava deprimida, pois tinha recebido a notícia da morte da Felícia sua velha amiga. Ele não perguntou mais nada. Tomou banho, começou a assoviar contente e ainda a convidou para almoçarem no shopping. Ela desconversou, e ficou amuada num canto. Na segunda –feira, Célia ficou surpresa ao encontrar a patroa ainda em casa. Carmen não sabia como encarar a empregada. Ficou deitada chorando no quarto. Não foi ao trabalho, não almoçou. No dia seguinte , foi ao trabalho e aceitou muito feliz uma transferência para o Nordeste. Avisou ao marido que precisava viajar a trabalho e ficou uma semana, ao voltar, aproveitou que Heitor estava no sul a serviço, e arrumou todos os seus pertences em um milhão de caixas. Contratou um caminhão de mudanças e foi embora. Passaram-se alguns meses, ela conseguiu o divórcio e a presidência de uma divisão do banco em que trabalhava.
Não teve coragem de contar a ninguém o que presenciara naquele filme, às vezes quando estava sentada em seu pequeno apartamento em frente a praia, revia aquelas cenas e ficava imaginando quanto tempo teria sido enganada? Como tudo teria começado. Quanto mais ela via aquele filme, mais se revoltava e engulia em seco. Ainda acreditava que Célia e Heitor deveriam ter sido amantes ocasionais e que o ex-marido tinha sido seduzido por Célia. Sentia-se traída até o fundo de sua alma. Julgava não merecer tudo aquilo.
Um sábado Rosa telefonou, querendo contar-lhe a novidade sem chocá-la: - Sabe mãe, a Sofia vai ganhar uma amiguinha e ao mesmo tempo uma tia? Como? Não entendi direito, uma tia, uma nova professora? Ela mudou de escolinha? . Rosa soltou a bomba; - Não mãe, presta atenção, ou você não sabe ainda, papai casou com a Célia e ela vai ter bebê daqui a uma semana. – Mãe, você está me ouvindo? Carmen enfurecida,quase teve um ataque cardíaco, acreditava que a filha a traía também ao aceitar naturalmente o casamento do pai com a ex-empregada. Esqueceu-se de um detalhe, Célia como ela mesmo dizia para as amigas era mais que perfeita, era excelente em tudo, tão perfeita, que roubou-lhe o marido, e tantas outras pequeninas coisas que ela só tomou consciência quando assistia sua novela preferida, as cenas que foram gravadas sem que Célia e Heitor soubesse. Era forte e profunda a dor que sentia no peito, parecia que seu coração começava a dar os primeiros sinais de vida, que despertava de um grande sonho dourado, ou de um pesadelo horrível.