UMA VACA COM INSTINTO DE CACHORRO

Com certeza tem-se que arrumar uma forma de preservar a natureza mas como fazer quando os bichos do mato invadem seu pomar para comer os bichos silvestres?

- Bão cumpade?

- Bamo levano. Bamo moiá a palavra?

- Já que hoje é dia de São Pedro, qué que tem né?

- Tira gosto?

- Daí.

- Mais tá bão cumpade!

- O quê que é?

- Largato cumpade.

- Mais tá parecendo pexe cumpade!

- Antão, né de vaca não!

- Mais o do açogue fala é lagarto!

...

- Antão cê matô o Tiú que tava cumendo seus pinto tudo?

- Tava pareceno um jacaré de tanto cumê os bicho queu trato. Peguei ele caquele frango carijó que ia te dar pra galo, cridita?

- Uh, mais tá bão cumpade. Dá outa aí.

- Mas antão, conta aí as nuvidade lá da venda do Zé do Gôlo.

- Mais essa cê num vai creditá cumpade!

- Conta aí. Enquanto cê conta eu frito mais um pedaço dos meus pinto.

- Hahah, ficô cum dó não cumpade?

- Nem mucadiquinho, matei ele cumo se deve matá um cascaver.

- Mas antão cumpade, isturdia, dia da santa Gertrudes, dia que minha muié num me dêxa trabaiá, dispois do armoço, sem munto o que fazê, fui pra venda. Apareceu por lá um tar de sô Mané, véio novo pro estas bandas mais discubri quele é sogro do Fio do velho Armando.

- Qualé a história do home cumpade?

- Bem cumprida...

- Conta aí porque a carne desse Tiú tá parecendo vaca véia...

- Ingraçado cumpade, é de vaca memo que nóis vai falá... Mais assim contô o home: “Morava nas berada de Beraba, sítio bem pequeno mas dava pra vivê e criá os minino. Mais minino cresce e cresce os óio. Naquela época nóis paricia galinha, quando escapava um fio, nóis fazia outo. Mais nóis foi ficano véio, a muié foi descalejano de fazê minino; até que meu fio mais véio lembrô de nóis. Apareceu primero falando que nóis tinha que po luis elétrica na roça senão num aparecia mais. Chamô os home dos postes, os home do guverno e os cobre dele não deu. Feis eu vendê a velha Mimosa, vaca amorosa que criô meus fio tudo. No dia que a tar luis apareceu eu escondi dela pra chorá a saudade da Mimosa. Tempos dispois, meu fio vortou sei lá pra onde levano mais dois irmãos junto e me chamano de caipira. Ficô eu, a véia e treis pequeno naquela claridade; mais sem a Mimosa minha vida virou só iscuridão. Tinha uma fia mais atrividinha que pidia uma tar de televisão. Cumo não tinha mais leite, minhas roça num prudizia pro causa da seca, fui trabaiá prum deputado lavadô de dinheiro que comprô os sítio tudo em minha vorta. Só fartava o meu. Levei um susto danado quando tava cuidano do gado do home e topei com a Mimosa. Ela lambeu minha mão e apareceu o capataz dizendo que o home tinha comprado a Mimosa para ver se dava iducação pra seu gado nelore. Fui embora chorano e revortado ca vida. Em meu rancho discubri que minha fia atrividinha tava grávida do peão do deputado; que não tinha carne pra comer no meio daquele tanto de nelore... Peguei a velha ispingarda de enchê pela boca, herança de meu falecido pai...Fui para o mato... Tinha uma trilha... De gente ou de catetos...Subi numa árvore...Lua nova...A fome me assolava... De vingança ou de dor... Um berro ao longe como se fosse uma premissa... Queria que passasse um cateto ou o malfeitor de minha filha...Um berro mais perto... Pisados em folhas secas sem distinção... Mais longe um bezerro berrava fino cum saudades da mãe... Vozes... Quando o barulho chegou debaixo da árve que tava iscundido e armei a ispingarda, deu um relâmpo e vi a Mimosa oiando pra cima e dano o berro mais tristi do mundo.”

- Né fáci não né cumpade?

- O quê?

- Iscutá uma mintira dessa.

- O home inté chorô quando acabô a história.

- Mais um gole pra história descê cumpade?

- Daí...

JOSÉ EDUARDO ANTUNES

Zeduardo
Enviado por Zeduardo em 29/10/2010
Código do texto: T2585895
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