O homem do machado

O que ele tinha a ver com aquilo. A velha coroca vivia reclamando de sua árvore por que as folhas caiam sobre a sua calçada. Será que eram só as folhas de sua árvore que caiam? Deus do céu tudo nesse mundo cai; cai presidente, cai ministro, cai avião, cai a bolsa de valores, e até mesmo a piroca, com o passar dos anos, também cai. E a porra da velha coroca tinha que passar a vida toda reclamando que as folhas de sua árvore caiam sobre a sua calçada. É bem coisa de quem não tem o que fazer mesmo. E ela insistia em dizer que aquilo era lixo. Não, não é lixo. Folhas de árvores não é lixo. As folhas caem, secam-se ao sol, e depois viram farelos que ninguém vê mais. Lixo é aquilo que ela e muita gente têm a mania de fazer: jogar tudo quanto é porcalheira pelo meio da rua que levam séculos para se decompor. Isso sim é lixo. Folhas são somente folhas e nada mais. Decompõe-se em poucos dias e não agride a natureza.

Porém o diabo da velha vivia atazanando a sua vida. Teve um dia que bateu à sua porta um fiscal da prefeitura que veio verificar, através de uma denúncia feita pela velha, o que realmente estava acontecendo. O fiscal disse que estava tudo certo e apenas o aconselhou a podar o lado que dava para a calçada da velha xaropeta a fim de evitar possíveis transtornos.

Assim ele o fez. Contratou os serviços de um profissional que podou a árvore. A velha se aquietou por alguns meses. Porém vivia fiscalizando se alguma folha caía sobre a sua calçada. E é lógico, os galhos da árvore cresceram novamente e não demorou muito para que a velha coroca voltasse a torrar a paciência. E desta vez ela retornou com mais fôlego. Era toda hora aporrinhando a sua cabeça por causa das folhas da árvore que caiam sobre a sua calçada. E depois de algum tempo mudou de estratégia; varria as folhas, amontoava-as a um canto e depois com uma pá jogava-ás em seu portão. Aquilo foi a gota d’agua. O sangue subiu para a moringa num estalar de dedos. Era muita sacanagem aquilo. Juntar as folhas e jogar em frente ao seu portão. Ahhh!!! Aquilo não ia ficar daquele jeito não. De maneira alguma ele ia deixar barato.

Foi até o fundo do quintal, onde em um quartinho ele guardava suas ferramentas, revirou tudo até que achou um enorme machado, que pertencera ao seu pai na época em que moravam em uma fazenda ali pelos lados das Minas Gerais.

Aproximou-se da árvore e com todo ódio do mundo começou a golpeá-la quase na altura do seu joelho no intuito de derrubá-la. E já o fez de maneira premeditada, não para cair sobre o seu quintal, mas sim sobre a casa da senil vizinha . E não deu outra. Depois de quase duas horas de machadadas a árvore começou a pender para o lado que ele determinara e tibum. Na mosca. Caiu sobre a casa da velha derrubando parede com telhado e tudo. Ele jogou o machado a um canto, enxugou o suor do rosto com uma toalha velha que estava pendurada no varal, e subiu até o bar do Arnaldo que ficava um pouco acima de sua casa. E enquanto a rua se apinhava de viaturas da polícia e do corpo de bombeiros, ele sentado à uma mesinha dentro do bar, bebericava a sua cerveja, observando a movimentação de curiosos que não paravam de chegar para verem o que tinha acontecido. Os bombeiros a retiraram do meio dos escombros e uma viatura do resgate socorreu a pobre mulher, que por sorte sofreu apenas algumas escoriações. E quando o resgate passou por ele, com as sirenes abertas, abrindo caminho por entre os curiosos, ele pensou com os seus botões: “Vai sua cobra peçonhenta! Agora você não me enche mais o saco! Eu assassinei a árvore!”