Medo de Barata

Medo de barata

Maju Guerra

Josué, desde pequenino, tinha pavor a baratas. D. Martinha, sua mãe, lembrava-se de um acontecido quando ele era bebezinho. Uma barata cascuda havia caído em cima do rosto do menino. Com o susto, ele chegou a perder o choro. Parecia ser o fato desencadeador da fobia.

Certa vez, engatinhando pelo quarto, Josué se deparou com uma barata. Gritou em profundo desespero. D. Martinha pegou o filho no colo e o acalmou. O pai, Seu Eusébio, homem de gênio forte, se enfureceu. Se fosse a filha, ele aceitaria, mulher é cheia de besteira. Mas filho varão com medo de barata, ele não admitia. Avisou logo, em tom ameaçador, que ficaria de olho no comportamento de Josué. Se o fato se repetisse, ele saberia como resolver o assunto.

D. Martinha, para protegê-lo da ira paterna, vivia em permanente tensão. O menino, coitado, cresceu em estado de alerta. Seu Eusébio não lhe dava trégua, era um sofrimento esconder do pai seu sentimento em relação ao inseto.

Ao ingressar no 2º. Grau, Josué conseguiu estudar na capital. Foi morar com uma tia, irmã da D. Martinha, conhecedora do drama pessoal do sobrinho. Feliz como nunca, somente via o pai durante as férias na fazenda. Formou-se em Engenharia, Seu Eusébio se envaideceu. O filho era doutor com louvor, e namorador da melhor estirpe.

Josué tornou-se um mestre em esconder seu horror a baratas. Com as moças, porém, era um outro problema. Ele queria se casar, constituir família. Precisava, portanto, encontrar alguém sem medo das malditas. Por Cassinha e por Tatiana se enrabichou, grande desilusão, compartilhavam igual fobia. Sem se abater, seguiu buscando até conhecer Terezinha. O rapaz se deslumbrou ao constatar seu destemor diante de baratas. Encontrara, finalmente, a mulher da sua vida. Apaixonados, casaram-se no mesmo ano. Ele mandou dedetizar, duas vezes seguidas, o apartamento que haviam comprado para morar.

Certa feita acordou ao amanhecer para ir ao banheiro. Ao sair, jurou para si mesmo ter visto uma sombra passar rapidamente por trás da pia, com certeza uma barata. Empesteou o ambiente com o líquido exterminador, fechou a janela e a porta, voltou a dormir em paz.

Justo naquele dia, Terezinha acordou cedo para ir ao banheiro. Ao abrir a porta, recebeu o bafo do inseticida, cambaleou de tão atordoada. Arejou bastante o lugar antes de entrar de novo. Assim que o marido se levantou, quis saber a razão do envenenamento do ambiente. Ele se justificou, encontrara uma barata. Grande tolice, ela não se apavorava com o bicho, Terezinha comentou.

Na manhã seguinte, a moça sentiu um imenso mal-estar. O rosto e as mãos começaram a inchar, passou a respirar com dificuldade, parecia um grave processo alérgico. Josué a levou para a emergência do hospital. A médica de plantão examinou Terezinha minuciosamente com uma lupa. Ao final, balançou a cabeça, perguntou se a moça tivera acesso recente a alguma substância tóxica. Ela lhe contou o caso do excesso de inseticida no banheiro. A médica confirmou, era a razão da alergia. Bem séria, falou para Josué:

-O seu exagero quase matou sua mulher, quanto à pretensa barata, não sei. Que irresponsabilidade, faça-me o favor! O senhor não poderia ter matado a barata com um chinelo, como todo mundo costuma fazer?

Josué não sabia o que responder, só conseguia pedir desculpas. A médica, sem piedade, continuou:

-Espero que o senhor tenha tomado juízo, absurdo de situação. Volte com sua esposa daqui a três dias, preciso saber como o tratamento vai se desenvolver.

Na volta para casa, Terezinha sentiu o marido mortificado. Disse-lhe que estava perdoado, só não repetisse a façanha, agora sabiam da sua alergia a inseticidas.

Por dias, Josué não conseguiu encarar a mulher. Durante a noite, surgiam pesadelos terríveis. Via Terezinha morta no banheiro ao lado da barata viva. Não suportando mais a culpa, decidiu contar tudo. Pediu a Terezinha que o ouvisse com o coração aberto. Passou, então, a narrar toda a sua odisseia desde criança, chorou copiosamente. Terezinha, com o peito doído, cheia de compaixão, o abraçou com carinho. Após Josué se acalmar, passou a conversar sobre a irracionalidade da história:

- Pobrezinho, aonde já se viu uma criança sofrer tanto por uma coisa dessas? Seu pai é um ignorante completo, um idiota insensível, me desculpe pela sinceridade. Quem disse que mulher pode ter medo de barata, e o homem não? Discriminação sem sentido. Querido, agora eu estou com você. Juntos, venceremos o desafio.

Depois da confissão, Josué se sentiu outra pessoa, se sentiu uma pessoa inteira. A vida prosseguiu muito mais leve para o casal. Terezinha, com seu chinelo, virou a exterminadora oficial das baratas. Josué já dá mostras de estar perdendo o medo, pelo menos das pequenininhas. Bem, é assim que as coisas começam a mudar...

Maria Julia Guerra.

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