De caipira a Gringo ( nova versão )

Um fato espantoso sucedeu-se num arraial muito tranqüilo, por nome de Santo Antonio da Serra; e ocasionou uma total mudança nos costumes do lugarejo graças a um caboclo matreiro, boa gente na verdade, que vivamente enxergou a sorte- dizem que ela só bate uma vez em nossa porta- e fez uso dela.

Na verdade, o sujeito conhecido como Quincas, não sabia da missa a metade, era do tipo que só colocava botina nos dias de ir à igreja e nas festas. Mas, tirou o pé da lama e o povoado do anonimato; quando recebeu uma visita inesperada de um primo que morava na capital.

Meio sem jeito no acolhimento, modo de gente do mato, acanhado e desconfiado. Na verdade teve receio de alojar o grã-fino em seu casebre. Mas logo foi se sentido à vontade pelo modo comunicativo do parente e fascinando com as histórias da cidade contadas por ele.

_Primo, você precisa conhecer a capital! Andar de metrô, ver o mar de perto.

O caipira admirado não imaginava que trem pudesse andar debaixo do chão. E nem tinha noção da imensidão do mar. Entretanto, o mundo estava passando do antigamente para o moderno com o progresso, e isto o velhaco percebeu logo.

E mais ligado ainda ficou quando ouviu falar dos gringos.

_Eles vêm de fora, de toda parte do mundo, como turistas e fazem a vida aqui.

Foi nesta parte que Quincas se ligou. Fazer a vida? Era tudo que ele queria. E muita água rolou nessa hora, sem contar o cheiro de café fresquinho que se renova toda hora.

E noite se alargou com a conversa até o galo cantar. Mas o capiau ficou a par de tudo.

Já no quarto, pediu um dedinho de prosa com a mulher:

_Zefa, gringo vem dos states e fica rico. O primo disse que tudo com nome de importado vendem. E agente dá um duro danado aqui, e nunca pego numa grana!

Com certeza, mesmo não sendo letrado, o jeca descobriu que “importado” era a palavra chave.

E nesse momento começa a ascensão de Quincas. É claro que teve a mão do primo da metrópole nessa subida. Encarregou-se de levar o matuto pra cidade e ensinou-lhe umas palavras inglesas. Criou e caprichou num novo estilo de forasteiro- prá lá de interessante por sinal- para ele adotar.

Não é que o homem ficou parecido mesmo com lorde inglês!

E como caipira não é tão bobo como diz o ditado, antes do retorno, tratou de passar um telegrama pro compadre Juca - que tinha a má de fama de língua comprida - e o sujeito espalhou a notícia de que ele tinha virado gringo, rapidinho por toda redondeza.

Sua chegada no arraial foi majestosa. Muita gente foi comprovar o boato na pequena estação. E KINKAS, desembarcou do trem, vestido de calça de cor caqui e suspensório, camisa de risca de giz. Na cabeça um chapéu de camurça combinando com a calça. Notavam-se de longe lindas as botas de couro e a valise de moderna.

Vaidoso, exibindo um cachimbo no canto da boca caminhava em passos lentos, empolgando a pequena platéia que observava curiosa. Elegantemente acenou e cumprimentou a todos com a nova língua inventada pelo primo que o apadrinhou - o caipirês-:

_Good retornis for mi Terris!

Tamanho foi o sucesso que Kinkas não se acanhou em desenrolar seu idioma:

_Ok! Biufu, biufu!

Não tenham dúvida de que convenceu muita gente.

Com toda essa lábia decidiria uma vitória política no primeiro turno num piscar de olho.

E o povo acostumado a não valorizar sua terra e ser enganado, aclamou Kinkas, que acabou virando atração das bandas de lá.

Imaginem um caipira falando inglês, quero dizer caipirês.

Não é que o caboclo ficou chique mesmo!

Só que a maior foi montar um grande comércio no arraial: Mercearia do KINKAS.

Até os queijos, os doces as geléias do sítio tinham rótulo de gringo.

Naturalmente tudo isso lhe rendeu uma posição de empresário famoso na cidade, certamente vendendo muito importado.

* Estamos vivendo momentos decisivos da nossa história, requer de nós reflexão. Somos responsáveis, mesmo que indiretamente, pelo nosso futuro. Portanto, permitir ser enganado por belas promessas é assumir nossa falta de capacidade de escolher. - Entendemos que numa democracia o poder provém do próprio povo, numa escolha medida de forma sensata. Isto é valorizar um sistema político.

*

Tete Crispim
Enviado por Tete Crispim em 25/09/2010
Reeditado em 17/09/2012
Código do texto: T2520172
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.