O Caso do “Quem, Eu?!”

I

Todas as cidades deste ou de qualquer outro mundo – tanto as de pequeno quanto as de grande porte - possuem a presença de uma via pública denominada simplesmente como a “Rua Direita”. Com o município de Santa Luzia, em Minas Gerais, não haveria de ser diferente.

Naquela localidade encontraremos a sua própria Rua Direita. Em determinado esta via urbana faz esquina com a Rua Bonfim e é no número 179 desta última que se ergue centenariamente um antigo casarão recentemente reformado.

Segundo advogados, servidores e um dos antigos juízes classistas da Junta de Conciliação e Julgamento da cidade de Santa Luzia – atual Vara do Trabalho de Santa Luzia - esta história teria acontecido há tempos idos naquele velho casarão de esquina.

Os fatos que aqui vão narrados se passaram antes da atual reforma e ampliação do edifício inaugurado em 17 de agosto de 2007. Localizado no centro histórico de Santa Luzia, o antigo casarão abriga atualmente a Vara do Trabalho e foi tombado pelo Patrimônio Histórico em 1998.

Instalada em 7/12/92, pela lei 8.432/92, em um imóvel e terreno doados ao Tribunal Regional do Trabalho pela Prefeitura de Santa Luzia, a Vara do Trabalho desta cidade abrange em sua jurisdição os municípios de Jaboticatubas, Nova União e Taquaraçu de Minas. O projeto de restauração da velha casa enquanto parte da memória, da cultura e do patrimônio local, bem como do edifício anexo, foi desenvolvido e executado pela Diretoria de Engenharia do TRT em sintonia com IEPHA, CREA, e CORPO DE BOMBEIROS.

Junto ao prédio histórico foi erguido o segundo edifício ligado ao primeiro por passarelas. Nele se deu a ampliação da sede, com a criação da secretaria, da sala de audiências e do gabinete do juiz. Houve ali um duplo cuidado na estruturação dos prédios em relação à acessibilidade dos portadores de necessidades especiais e à manutenção de detalhes característicos da construção da época e do estilo colonial barroco.

No casarão restaurado foi implantado hall de espera para os usuários, sala para informações e reclamações trabalhistas, banheiros para o público, rampa de acesso lateral para os portadores de necessidades especiais e espaço para o arquivo dos processos. Foi, portanto, nesse ambiente histórico e prenhe de muita riqueza artística e humana que transcorreu caso que passo a contar.

II

A testemunha deu entrada na sala de audiências do velho casarão portando bengala e uma longa barba branca completamente emaranhada. Sua bela figura parecia ter saído de um livro antigo ou de uma fotografia que retratasse os tempos idos do Brasil colônia.

A juíza o olhou curiosamente de alto a baixo e pediu que ele se assentasse diante dela na única cadeira que se achava disponível naquele recinto.

O homem olhou para a juíza e, meio que sem ter entendido o teor da fala da meritíssima, perguntou:

- Quem, eu?!

- Sim, o senhor mesmo. Faça o favor de se assentar nesta cadeira para que possamos dar início ao interrogatório.

Registradas pelo datilógrafo a qualificação e as necessárias informações sobre a testemunha em questão – nome completo, endereço, estado civil, profissão, etc. – principiou a juíza fazendo expondo para a testemunha a advertência de praxe quanto ao fato de estar ali para dizer a verdade, toda a verdade e somente a verdade...

- O senhor conhece o reclamante? É amigo íntimo dele ou de qualquer outra pessoa que se encontre nesta sala?

- Quem, eu?!

- Sim, o senhor!

- Não senhora, não há ninguém aqui de quem eu seja amigo íntimo ou que lhe freqüente a casa.

- Tem o senhor algum interesse nesse processo ou na solução do presente litígio? Devo avisá-lo de que o senhor não é testemunha de nenhuma das partes, mas do juiz. E que se mentir em juízo poderá sair daqui preso e...

- Quem, eu?!

- Sim, o senhor...

- Está bem... Sim, quer dizer, não, não senhora – apressou-se o homem a dizer. Prometo dizer a verdade...

- Então vamos dar início ao interrogatório. Há quanto tempo o senhor conhece o reclamante?

- Quem, eu?!

- Não – disse a juíza já bastante irritada com aquela frase intrigante com que a testemunha viera respondendo a cada uma das perguntas que ela lhe dirigira – não, eu, eu mesma, euzinha da silva. Ora, toda vez que eu lhe faço uma pergunta, o senhor me questiona se é ao senhor que eu estou me dirigindo! Por acaso eu estaria conversando com mais alguém? E por acaso o senhor está vendo outra testemunha sentada nesta cadeira e conversando comigo nesse momento?

- Quem, eu?!

Ai, meu Jesus Cristinho – pensara a juíza buscando encontrar em si mesma qualquer pensamento ou idéia feliz e plena de luz - tenha piedade, senhor, muita piedade da minha alma pecadora e do meu dia que está apenas começando...

Em seguida deu prosseguimento ao interrogatório, à audiência e à vida!