AVE DE MAL AGOURO
O ambiente era muito simples e se localizava em algum canto deste imenso pais de dimensões continentais, com um povo envolvido em seus costumes, crenças e tradições que hoje ainda perduras como uma lenda em algum canto deste querido Brasil. Era a manhã de um dia qualquer da semana, o sitiante, um rude sertanejo já de idade avançada e com os filhos todos criados, sentado numa cadeira preguiçosa na varanda do casarão tira um cochilo sossegado quando entra a patroa, sua esposa, limpando o rosto com o avental e a reclamar num misto do linguajar caipira e burguês, da rotina da vida feminina:
____ Oh vida dura esta vida de muié. Os homens ficam ai de papo pro ar. Nós mulheres não. Trabalhamos a semana inteira inte aos sábados e domingos temos casa para limpar, comida pra fazer, louça pra lavar e sei lá mais o quê. Que vida danada, “ta doido sô”.
O homem acostumado com estas crises existenciais que vez por outro acometia a sua esposa continua cochilando como se nada tivesse ouvido. A mulher senta numa cadeira ao lado do esposo e decorre um instante de silencio que só é quebrado quando os cachorros começam a latir lá fora. Ele abre os olhos e fica atendo até que uma voz ressoa:
______ Ôôôôh de casa!
O Sitiante resmunga com a esposa: “Deve ser compadre Tonico que ficou de passar aqui, ele quer comprar a vaca maiada que tá nos dias de dar cria”. Se levanta e vai receber a visita, e ao deparar com o compadre diz:
______ Compadre Tonico, se achegue homem de Deus!
______ Tarde Cumpadre Tião ! Como ta indo ?
E sem rapa-pés vai adentrando a sala e quando avista a comadre, retira o velho chapéu de palha da cabeça e cumprimenta-a
_______ Tarde cumadre. Como a senhora tem passado.
Dona Francisca responde com um ar alegre
_______ Tudo bem compadre com a graças a Deus. E por lá, como vão indo? Comadre Sinhana esta boa?
Ao perguntar pela comadre, o homem vai logo desabafando
_______ Pois é cumadre, a Sinhana tá muito nervosa hoje, pois num sei se vanceis tão sabeno, compadre Custodio, meu Sogro, coitado num tá nada bom de saúde e pá acaba de completá a disgracera, não é que esta madrugada uma danada “Rasga Mortaía” passou cantano trêis vêis em cima di casa, Sinhana tá desassossegada que só veno.
Rasga Mortalha é o nome dado a uma coruja, que por ser uma ave noturna, sai cantando a noite e o seu canto parece estar rasgando uma tira de pano, por isso o apelido entre os sertanejos de Rasga Mortalha. Segundo a literatura, na antiga Roma, a predição de bons ou maus acontecimentos era feita através da leitura do vôo ou do canto de determinados pássaros, sendo os mais usados a Águia, a Gralha, o Corvo e a Coruja e que ainda hoje perdura popularmente a conotação funesta destas aves, sendo que entre os nossos sertanejos, talvez seja uma herança européia, vindo com os Portugueses ou quiçá até com as primeiras levas de italianos, o cantar esquisito da Coruja, animal noturno abundante nas matas e pradarias do Brasil, é tido com um sinal de mau agouro. Dizem que quando ela passa por sobre o telhado de uma casa três vezes seguidas cantando, esta anunciando a morte de uma pessoa da família, tanto é que Compadre Tião, nosso bondoso anfitrião confirma:
________ Chiii compadre! Esta coruja é danada e não falha. É passar e alguém da família bate com as botas.
________ Pois num é cumpadre!. Que Sinhana num ouça vossa palavra, coitada!
Após o desabafo de Compadre Tonico, a esposa do sitiante, informada da situação da comadre Sinhana, pede licença ao compadre e sai, deixando os dois conversando a vontade e tratando de seus negócios que acabou com o compadre Tonico voltando para sua casa levando numa corda a mansa vaca malhada prestes a dar cria, tendo a certeza de que assim estava garantido o leite dos meninos
O dia passou, a noite chegou no sertão e com ela o silencio que tomava conta daquele mundão de meu Deus, vez por outra se ouvia o cantarolar dos galos, uns ali no terreiro, depois mais ao longe, outros respondiam e mais outros e outros assim por diante. La no capão de mato, o urutau entoava seu canto melancólico ”Urutauuu!” ao que o curiango respondia: “curiangooo!”, rotina na roça.
A noite já ia adiantada quando os cachorros saíram latindo e ouviu se o cavalgar de um animal se aproximando da casa, Instantes depois uma voz ecoa lá de fora chamando:
________ Ôhhh de casa!
O Sitiante responde:
________ Se for de bem, que fale!
________ Venho da parte do seu Tonico da Sinhana, aviso o falecimento do seu filho Bentinho.
Após o recado dado, ouviu se o som de uma chibatada e o galope do cavalo se afastando, levando o mensageiro a outros moradores do bairro. Com esta noticia ninguém mais dormiu na casa, Dona Francisca levantou e foi lá pra cozinha coar um café o dono da casa encabulado também levantou e ficou de prosa com a mulher, nós lá da cama ouvíamos a conversa dos dois, preocupados com a causa da morte do rapazote, pois Bentinho era nosso colega de traquinagem e um jovem muito querido no lugarejo
Er ainda madrugada quando fomos para a casa do Seu Tonico, a tristeza era grande e foi lá que ficamos sabendo que Bentinho, vindo do espigão, depois de uma árduo dia de trabalho no cafezal, ao passar por uma moita de capim a beira do carreador, se aproximou para ver porque alguns anus estavam apavorados e não percebeu a cascavel na rudia furiosa. O bote foi certeiro e embora procurassem pelo benzedor da região, o velho e místico Simão, não teve jeito mesmo, o rapaz morreu na madrugada e por ironia do destino ou não a cobra foi atacar justamente aquele que trazia o nome do santo protetor das pessoa ofendidas por animais peçonhentos ou seria tudo culpa da famigerada coruja “rasga mortáia”?