APARENTE DO APARENTE
Em uma família não muito distante...
Eu sei. Você já disse inúmeras vezes para ela:
- “ Essa é a melhor idade. Bom, se não é a melhor, ao menos é uma boa idade”.
- “Para quem? Para quê?” Ela questiona.
Lembro-me bem de suas palavras:
- “É a forma de lidar com o envelhecer que realmente importa. A sabedoria a fluir das experiências vividas; a maturidade a compensar a impulsividade, etc, etc...”
Há anos você vem repetindo essas palavras em seus ouvidos. Um dia, quiçá ela se convença dessa verdade. Na realidade, percebo: ela só acredita que existe alguma vantagem nessa terceira idade quando paga meia-entrada no cinema, teatro, etc... e não precisa enfrentar uma fila. No entanto, no fundo, no fundo... se irrita. A cada argumento meu ou seu em relação a qualquer coisa, ela refuta:
- “O que você me diz quando a cada manhã olho no espelho e não me reconheço. Onde está a prerrogativa da madureza? Está lá... apenas a espreitar um esforço vão”.
Eu sei, eu sei... você já disse a ela também: “apenas o aparente do aparente... “A essência permanece intocável, sem idade, sem rugas se o espírito permanecer em harmonia”. Mas o que fazer? Desde quinta feira passada ela faz esse ritual: coloca-se defronte ao espelho suspenso num galho sob a sombra da jabuticabeira e assinala as novas marcas do rosto. E as relaciona com os aborrecimentos de cada dia.
- "Eu sei o que vai dizer. Está bem: aguardo o tempo de o vento soprar, seu espírito se aquietar e retomo o assunto tão logo ela saia debaixo dos ramos da velha árvore plantada na infância do seu quintal..."