AÇÕES DO BANCO DO BRASIL E O BORRACHEIRO.

A viagem ocorrera dentro do esperado. Carga entregue. Frete pago. Dinheiro depositado no banco e o suficiente para o retorno. Se bem que, ainda tinha que carregar com destino ao norte de Tocantins e comprar os cadernos de várias matérias. Encomenda do casal de filhos. Para a menina dois cadernos com capa de artistas, de preferência de música sertaneja e para o menino dois cadernos com capa que estampassem motivos de caminhões.

O frete de retorno daria para pagar as despesas de volta e sobraria algum dinheiro, que empregaria na compra de peneus.

O tráfego de caminhões já era considerável, a safra de grãos estava sendo escoada e não podia esperar. Era caminhão carregado e soja e de milho. Era navio ancorado esperando para ser carregado.

O sol estava se pondo. Olhou no painel e gelou. A pressão o óleo estava caindo. Naquele trecho da estrada não havia uma oficina sequer. A próxima cidade distava mais de 90 quilômetros. Com a queda da pressão do óleo, as coisas iriam complicar. Parar no acostamento era pedir para ser assaltado. Dirigia com cuidado. Um olho na estrada e outro no mostrador da pressão do óleo do motor. Alivio. Uma placa informava a respeito de uma borracharia. Pelo menos poderia parar e ver o que faria.

Boa noite. Pneu furado? Não. Parei aqui por que o bruto está apresentando uma queda na pressão de óleo e vou dar uma olhada. Rebateu a cabine e esperou o motor esfriar um pouco, enquanto isto conversava com o borracheiro a respeito da estrada, dos buracos, dos assaltos e coisas sem importância. Diagnóstico feito. A queda da pressão era de fato originária da bomba de óleo e provavelmente era o reparo da bomba que apresentava alguma deficiência. O que fazer?

Pernoitar em frente à casa do borracheiro, pois ali já se encontravam mais quatro caminhões. Um tipo de defesa contra assaltos.

Preparou o jantar, sentou-se com os demais parceiros de estrada e comentou a respeito do defeito.

Um dos motorista se prontificou em dar uma carona, até a próxima cidade, para que comprasse o reparo da bomba de óleo. Pensou e ficou na dúvida. Deixar o caminhão no pátio seria temeroso. Resolveu pedir ao borracheiro, que fosse à cidade e comprasse a dita peça. Cuidaria da borracharia. Pelo menos estaria protegendo a carga. Proposta aceita.

Faz o seguinte. Escreve ai em um papel o nome da peça. Mas eu não sei escrever, respondeu o borracheiro. Nem escrever e nem ler. Mas como você conta dinheiro?

Bom neste caso eu decorei as figuras. Então o senhor escreve o nome da peça aqui neste papel. Por sinal uma pilha de papel. Surpreso ao pegar o dito papel. Eram ações nominais ao portador do Banco do Brasil, com data de 1989. Pasmo, mas sem dar sinal algum a respeito da surpresa, resolveu buscar no caminhão um bloco onde anotou o nome da peça, assim como entregou uma quantia em dinheiro para o borracheiro pagá-la. Assim que o borracheiro sumiu na estrada, entrou na borracharia e não acreditava no que via. Perguntou, como quem não quer nada com nada, qual era a origem daquele tipo de papel. Ah!. Faz já uns dois anos, que uns homens pararam para concertar um pneu e eu achei até estranho, pois não tinha furo nenhum. Pediram para deixar aqui aquelas sacolas verdes ali. São cinco sacolas cheias deste tipo de papel. Mas eles não vieram mais buscar. Não vieram? É. Na realidade eles morreram. Morreram? Como? O senhor conhece ali, a Curva do Sabão? Pois é. Acho que eles estavam com muita pressa e se perderam na curva e bateram atrás de um caminhão tanque. Cheio de gasolina. Morreram queimados. E você nunca procurou saber a respeito destas sacolas?

A mulher, um dia tinha que fazer compra na vila e resolveu abrir uma destas sacolas, mas achou que era muito grande. Tem o tamanho de um saco de milho. Como nem eu e nem a mulher sabemos ler e escrever, Não sabemos qual a serventia deste tipo de papel. E as crianças, a menina e o menino também não têm noção.

O borracheiro foi então para a cidade comprar a dita peça.

O caminhoneiro não podia conter o espanto e a curiosidade. Sabia muito bem que ali estava algo interessante. Aproveitou e abriu as ditas sacolas, que na realidade eram cinco malotes. Abriu um e contou. Assim fez com todos os quatro restantes. Total da conta apressada: 24.500 ações Nominais ao Portador do Banco do Brasil. Sabia do valor. Apesar de ser um profissional do volante, estudara contabilidade, era na realidade Contador. Mas a estrada o enfeitiçara de tal forma que deixou o escritório de contabilidade para nunca mais voltar. Mas sempre mantinha-se informado a respeito do mercado. Preços de frete, de soja, milho, ações, dólar, euro e assim por diante.

Pelo celular ligou para a esposa. Tudo bem? E as crianças? Faz o seguinte. Pesquisa na InterNet, o valor das ações Nominais ao Portador do Banco do Brasil e depois me liga. Mas o que você está fazendo? Ah! O caminhão deu um pequeno problema, mas já estou resolvendo. Mas porque você quer saber o preço destas ações? Depois explico. Alô. Viu qual é o valor? Tudo isto? Tchau. Um beijo. Máquina de calcular na mão. Multiplicou 24.500 por R$ 29,30. Quase que cai. R$ 717.850,00. Uma fortuna largada ali no chão da borracharia.

Final da tarde o borracheiro voltou com a peça. Trocou. Ligou o motor. Rotação normal. Pressão do óleo normal. Me diga uma coisa. O que você vai fazer com este monte de papel? Eu? Nada. Quer levar? Pode levar. Não pensou duas vezes. Na cabine pegou os cadernos que daria aos filhos. Olha um presente para suas crianças. Nossa que lindo. Não precisava se incomodar. Partiu. Descarregou a carga. Voltou vazio. Olhou no relógio, marcava 4,00 horas da madrugada. Descarregou os cinco malotes. Acordou a esposa e contou sobre o acontecido. Mas você é louco. Que tal que isto é roubado?

E se não for? Só tem um jeito de saber. Vou até a capital e falar com um amigo que tem uma corretora e pedir para ele vender umas 100 ações, para ver no que vai dar. Foi. Vendeu. Recebeu R$ 2.930,00. O amigo perguntou. Desde quando você tem estas ações? Um frio percorreu todo o corpo. Será que foram roubadas? O que responder? Eu comprei faz uns cinco anos. Estava no Banco do Brasil, lá em Itumbiara e o gerente me ofereceu, pois estavam em uma campanha de venda de ações e eu comprei? Por quê?

Pelo simples fato, que estas ações foram as últimas que a CVM, autorizou. Mas é quente? Sim. Não tem nada de anormal. O mistério até então estava desfeito.

A curiosidade da esposa, estava estampada no olhar. E daí? Acredito que é quente. Mas vamos fazer uma pesquisa, na InterNet. Vamos pesquisar sobre assalto ao Banco do Brasil, Corretoras, Distribuidoras de Valores. Nem uma informação. Vamos então pesquisar na CVM para ver se existe algo a respeito de anulação destes lotes de ações. Nada. Vamos pesquisar na Polícia Rodoviária Federal sobre o acidente. De fato constava um relato a respeito. Não foram identificados os corpos. Tão pouco as placas do carro. O mistério continuava seguido pela dúvida e pelo medo. Vender? E se estas ações fossem roubadas? Você se lembra do compadre da sua mãe? Aquele que era funcionário do Banco do Brasil? Mas ele já esta aposentado. Sim e daí? Vamos perguntar para a sua mãe, onde ele mora. Pois é, eu comprei umas ações e gostaria de vender. Mas não tenho a mínima idéia como fazer e quando valem. Quantas você tem? Tenho 2.000 ações. Vou falar com o gerente da agência. Espera um pouco. Você as ações ai? Tenho. Você é louco andar com isto por ai. Está bem. Já chego ai. Vamos até a agência. Deixa eu ver. Suava frio. Consultou pelo terminal. Pegou o telefone. Não me diga. Verdade? Pronto. Agora vou preso. Só pode ser roubadas. Então eu ligo para você dentro de cinco minutos. Chamou um funcionário. Saíram da sala. Agora ele vem com a Polícia e eu vou preso. Voltaram. Agora com mais um funcionário. Estava pálido. Agora não tem mais escapatória, vão me levar preso. Faz quanto tempo que o senhor tem estas ações? Uns dois anos. Comprou aonde? Na agência de Itumbiara. Ah! Naquela campanha de venda de ações? Foi. Espera mais um pouco. Alô. É da agencia de Itumbiara? Me diga uma coisa. Você atingiram a meta de venda daquelas ações ...é da campanha. Como assim? Vocês bateram o recorde nacional. Quantas? 40.000 ações. Quem? Não conheço. Quantas 24.500 ações. Um só comprador? E foram custodiadas?

Não? Levou para onde? Mas porque não foi feita a transação on-line? Sistemático? Como assim? Queria as ações em forma física? Uma por uma? Não acredito. Como a Regional entendeu esta situação e exigência? Levou um tempão? Cinco semanas. Veio em cinco malotes e entregaram para o cliente. Valeu eu só queria confirmar. Por favor, o senhor tem o recibo do pagamento destas 2.000 ações? Recibo? Não tenho, não. O que eu tenho são estas ações que comprei e nada mais. Existe algum problema? Aqui está o meu CPF e a minha Carteira de Identidade. Nada mais. Por favor, o senhor não leve a mal. É para a sua própria segurança que fazemos este tipo de exigência. Um momento que vamos providenciar os documentos de compra e recebimento. O senhor tem conta na nossa agência ou em alguma agência do Banco do Brasil?

Não. Na realidade eu tenho conta em outro banco. O senhor vai me pagar agora? Não?

Primeiro temos que enviar para a nossa central e providenciar a venda e o devido resgate. Depois então nós lhe pagaremos ou no caso específico, faremos o depósito na sua conta em outro banco. Por que o senhor não aproveita e abre uma conta no nosso banco? Não obrigado é muita coisa para a minha cabeça. Mas quantos dias irão demorar? Tudo isto? Os dias passaram e a angustia não passava. Calculava, calculava e calculava. Se forem vendidas as 2.000 ações pelo preço de hoje, R$ 29,12 abaixou um pouco, antes era R$ 29,30 vai dar R$ 58.240,00. Praticamente o que ganharia em um ano de estrada. Já tinha vendido 100. Agora mais 2.000. Restavam de 24.500, agora 22.400. Que multiplicadas pelo valor do dia daria algo em torno de R$ 652.288,00. Praticamente ficou com estado emocional em farrapos. Alô. Sou eu mesmo. Ah! Sim. Vai depositar hoje? Obrigado. E que tal se fosse uma armadilha? Se estivessem investigando o sumiço das ditas ações? E se fossem exigir a documentação de compra, de pagamento, de identificação? Resolveu correr o risco. Foi para a capital. No caminhão as ações, agora acomodadas em caixas de papelão. Telefonou para o amigo da corretora. Almoçaram juntos e expôs a vontade de vender todo o lote. O corretor amigo quase que tem uma síncope. Você só pode estar louco. Da onde arrumou tanto dinheiro para comprar 24.500 ações? Ora há cinco anos atrás estas ações valiam em torno de uns R$ 2.00 quanto muito. Tinha vendido um caminhão. Com o dinheiro que recebi não dava para comprar um novo. Pra velho basta eu. Vamos fazer os procedimentos legais. Como são ações Nominativas ao Portador, não haverá dificuldade. A demora é a de praxe. Um lote destes não é lá grande coisa. Não é para você, mas para mim é a salvação da lavoura, pensou com seus botões.

Ficou mais aliviado. O tempo passou. O dia chegou. Vão depositar na sua conta, um total de R$ 652.288,00, boa sorte. Não se esqueça do meu whisky. Falou.

Agora então começava a segunda tormenta. A primeira foi conseguir vender as ações. A segunda. A consciência lhe atormentava. Aquele pobre borracheiro, a família, as crianças, a esposa. Aquele barraco.

Acordou. Procurou na InterNet uma agência do banco próxima a borracharia. Uma distava 30 quilômetros. Era domingo e prometia um belo dia. Despediu-se da esposa. A carga de leite em pó, seria entregue a não mais de 120 quilômetros do local onde se encontrava a borracharia. Chegou. E o borracheiro apareceu. E ai tudo bem? O caminhão não deu mais problema? Que bom. Me diga uma coisa. As crianças como estão indo nos estudos? Vão mais ou menos. E a esposa? Também. Na volta eu quero falar com vocês. Alguma coisa importante? É. E muito importante. Não carregou frete de volta. Já de volta? O que eu vou dizer para você e para sua esposa mudará a vida de vocês. E contou toda a história. Não acreditavam no ocorrido.

Fez a divisão. Não no momento. Como o casal era analfabeto e não podiam abrir conta em algum banco. Concordaram e acreditaram na honestidade do caminhoneiro.

A borracharia ainda se encontra lá no interior de Minas.

O borracheiro e a família, hoje moram em uma fazenda lá pelos lados de Alto Paraíso, no Goiás. Criam gado de corte e plantam soja.

O caminhoneiro, também. Vendeu o caminhão, a casa e foi morar lá pros lados de Natividade, no Tocantins.

Muito tempo passou. E um dia alguém contou esta história num boteco de beira de estrada. E lá do fundo do boteco alguém resmungou: Aquelas ações eram minhas, os meus filhos me roubaram e fugiram. Eu não tive coragem de falar com a polícia. Mas até hoje não sei por que eles deixaram as sacolas com as ações com o borracheiro....

ROMÃO MIRANDA VIDAL
Enviado por ROMÃO MIRANDA VIDAL em 15/09/2010
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