Temperamento Vingativo
Fernando Oliveira sempre teve um temperamento vingativo. Ele não sabia bem por que era assim e o porquê de agir desta maneira. Quando ainda era um rapagão de seus quinze anos namorara a Luciene. Moça bonita, distinta, extrovertida e de família. Mas que moça não seria de família? Talvez essa expressão seja usada incorretamente, porque toda mulher tem uma família. De certo que todas as vezes que se encontravam era motivo de alegria. Beijavam-se com fervor e o fogo da juventude se acendia.
Certa vez Luciene deixara escapar que não estava com muita vontade de vê-lo. Fernando não entendera bem o porquê daquilo. Fez um monte de suposições na cabeça: ela não gosta mais de mim, o pai descobriu ou o irmão, por isso não quer mais continuar comigo, pois tem medo de levar uma surra... Suposições essas que o preocupara muito e o deixara em estado de alerta.
Daniel, um amigo nem tão afetuoso seu chegara e contara que Luciene estava se encontrando com Robson:
- Impossível! O Robson é meu melhor amigo! Jamais faria uma coisa dessas!
- Você que não está enxergando a minha amizade. Ele é um pilantra safado que fica perto de você só para passar mais tempo ao lado de Luciene ou “coletar informações” contigo a respeito dela.
Aquelas palavras deixaram Fernando muito intrigado mesmo que não demonstrasse para Robson.
- Luciene. Vamos nos encontrar hoje à noite naquela rua que ninguém passa? Lá nós poderemos conversar mais sossegados e ninguém irá nos perturbar. Disse Fernando.
- Não posso. Se eu sair mais à noite meu pai pode desconfiar de nosso namoro. Aí você vai ter que chegar nele e...
- Ora! Se isso acontecer eu chego no velho sem problemas nenhum.
- Mas eu não quero isso agora. Ainda sou nova.
Luciene sempre tivera uma desculpa na ponta da língua. Coisa que começara a intrigar Fernando, porque as outras moças saiam e ficavam até as vinte e duas horas na rua com suas amigas. Quando estavam de namorico ou de paquera conseguiam escapar dos olhos dos pais como todo filho o faz. Mas com ela não era assim. Luciene não fazia por onde.
- Se você acha que eu estou mentindo vai hoje às vinte e uma horas na “Rua Deserta” – como chamavam – para você ver que não estou mentindo. Disse Daniel para Fernando certo dia.
A princípio ele não quis escutar. Depois mudara de opinião. Chegando à Rua Deserta, foi se esgueirando por trás das árvores, para ficar à espreita. De repente viu uma moça de vestido curto de tomara-que-caia, cabelos lindos louros sorrindo abertamente. O rapaz que a acompanhava tinha o porte de um verdadeiro maloqueiro. Sorriam como duas crianças.
“Não pode ser! Será mesmo Luciene, meu amor? Ela não pode sair essa hora de casa senão o pai dela pode desconfiar... Ele é rígido com ela. Não pode ser.”
Quando se aproximara vira que não era mentira de Daniel. Chorara amargamente no silêncio de seu travesseiro.
Luciene estava deixando aquele maloqueirinho de esquina passar as mãos sujas em suas coxas voluptuosas, coisa que nunca o deixara. Luciene beijava aquele maloqueiro como nunca o beijara. Não era o Robson como dissera Daniel, era outro homem.
Com lágrimas nos olhos prometera:
- Eu vou me vingar de qualquer jeito! Nem que sofra com a vingança.
Depois da descoberta, Fernando ficara impassivo, maquiavélico e sempre bolava um plano fabuloso para sua terrível vingança, por isso se aproximara mais de Daniel.
Daniel namorava Elisa há um bom tempo. Eles eram apaixonados. Viviam de mãos dadas para cima e para baixo e todos sabiam do namoro deles. Fernando sentia inveja, porque ele não podia se dar ao luxo de sair de mãos dadas com uma vagabunda traidora de jeito nenhum. Sentia-se corno por não terminar com Luciene, mas tinha que se fazer de tolo senão sua vingança não funcionaria.
Ele começara, discretamente, a pôr intriga no casal amigo de namorados ao mesmo tempo em que falava mal de Robson para Luciene já que era o “melhor amigo” dele. Em menos de quatro meses, Fernando conseguira acabar com a pouca “amizade” de Robson com Luciene e ela se aproximara mais dele. Também, fazia-se de amigo para Elisa, enquanto inventava mentira de Daniel para ela, coisa que a machucava muito, porque acreditava piamente.
Certo dia, Fernando conquistara o coração de Elisa ao contar inverdades sobre Daniel, coisas que a deixaram muito magoada. Então, fez-se de amigo e bom companheiro e ela se deixara levar. Ele fez um plano para que Luciene, Robson e Daniel o vissem com Elisa:
- Por que você fez isso comigo? Luciene perguntara escandalosamente.
- Porque você é uma vagabunda. Pensa que eu não sei que você ficou se esfregando com meu melhor amigo na rua de baixo? Eu sei de tudo. E não adianta mentir, porque EU vi! É por isso que falava mal dele para você. Para você enxergar que eu te amava e que não te faria sofrer, mas como você pediu, então toma!
Luciene não tinha o que dizer perante aquela afirmação tão convicta.
- Mas, e eu cara? Eu sempre fui seu amigo! Por que você fez isso comigo? Daniel perguntara.
- Porque você fez com que eu visse essa vagabunda – apontou para Luciene – com meu melhor amigo. A partir desse momento meu pensamento mudou.
Robson ficou estupefato:
- Mas se você sabia que eu e sua namorada estávamos ficando há um bom tempo por que não deixou que continuássemos juntos já que agora eu a amo?
- Porque você não é um amigo. Você é um pilantra safado, desgraçado de uma figa que não merece o perdão nem de Deus! Agora sofra já que essa vagabunda ainda tem uma quedinha por mim.
- E eu? O que eu tenho a ver com isso? Elisa perguntara com lágrimas nos olhos.
- Nada. Você é outra vagabunda igual Luciene, por isso merece a mesma justiça.
- Mas eu te amo! Elisa tirara duas cartas do bolso, dera uma para Daniel e uma para ele. – Vejam.
Daniel lera:
- Por que você iria terminar comigo?
E Fernando completara:
- Porque aqui na carta, ela diz que me ama igual à Luciene. Isso não é amor coisa nenhuma.
Lágrimas escorriam dos olhos dos quatro envolvidos, menos dos olhos de Fernando. Por dentro ele se sentira muito feliz mesmo chorando pelo amor de Luciene.
Mas o tempo passara e Elisa provara seu amor por ele mesmo a distância. De modo que Fernando se arrependera de tudo que fizera, prometendo para si que nunca mais se vingaria de ninguém, porque sabia que tinha machucado uma pessoa inocente, Elisa – isso em seu ponto de vista.
Já homem, Fernando se envolvera com Claudia. Claudia era uma mulher fina e elegante de características próprias. Olhos verdes vivos, cabelos castanhos lisos até a cintura, 1,75m, lábios carnudos, tudo dentro de 57 kg. Ela era um espetáculo de mulher. Sozinha chamava a atenção de todos os homens por causa de sua beleza e fineza.
Apaixonado, Fernando fizera mil e uma coisas para conquistar o amor de Claudia mesmo ouvindo de sua mãe que ela não era mulher para ele.
- Que nada mãe. Eu sou um homem bom. Sendo bom para ela, ela será boa para mim. Não sou mais aquele homem vingativo de antes. (Sua mãe soubera daquela história pregressa).
E, realmente, Claudia era boa para Fernando, porque ele era bom para ela.
Casaram-se.
- Eu não quero ser um Daniel da vida, Fernando – disse Orlando – mas leia aquela frase de caminhão.
A frase dizia o seguinte:
“Mulher gostosa é igual melancia, não dá para comer sozinho.”
Esse tipo de coisa ficava na mente de Fernando e aquele velho rapagão vingativo queria sair de dentro dele. Ele lutava a todo custo para que isso não acontecesse novamente. Não havia por que desconfiar de Claudia. Ela era uma mulher exemplar, presente, nunca lhe tratava com leviandade e nunca o deixava passar as necessidades fisiológicas que o corpo masculino sente. Era boa demais.
- O Fernando você já ouviu um ditado assim: quando a esmola é demais o santo desconfia? Disse José, um amigo.
- Fernando você já ouviu falar que “mulher é coisa medonha, deixa o rico na pobreza e o pobre sem vergonha”? Dizia Fulano.
Eram pequenas fagulhas que entravam em sua mente. Fernando ficava maluco com aquilo. Não poderia acusar a mulher sem provas. Mas, também, não podia negar para si que o ciúme estava tomando conta de sua mente. Claro que não diria isso a ninguém. Afinal seria fraqueza de sua parte.
Um dia o esposo desconfiado seguiu sua mulher até o ponto de ônibus. Ela conversara com um rapaz no ponto aquele dia. Coisa normal pensou. De repente isso se tornou clichê. Fernando sempre seguia Claudia até o ponto. Qualquer homem que estivesse no ponto, ela começava um papo. O engraçado que ela começava e não os rapazes.
Não aguentando aquela situação, Fernando contratou um detetive particular para seguir sua esposa com mais minúcia. Ele traria provas palpáveis da existência ou não de outra pessoa envolvida na relação deles.
Depois de seis meses o detetive lhe disse:
- Sua mulher está te traindo com um homem.
- Qual homem? Quis saber.
O detetive mostrou o DVD gravado. Claudia entrando em um motel com um rapaz muitas vezes durante as semanas corridas dos seis meses de investigação. Parecia ser um caso antigo.
- Não é possível! Esse é o filho do meu melhor amigo.
- Aqui tem um áudio que gravei que dá para você ouvir a conversa dos dois.
E no áudio:
- Eu não posso largar meu marido, Fábio. Ele me banca. Eu trabalho para te bancar. Se eu largá-lo como nós vamos ficar? Consegue entender isso? Faço essas coisas por você, por nós.
- Mas eu te amo de paixão.
- Olha. Meu marido confia em mim, porque eu nunca deixo brecha para ele desconfiar de mim. A gente vai se amar para sempre.
- Filho de uma puta! Fernando exclamou.
- O que você vai fazer agora? O detetive perguntou.
- Não sei. Não sei... realmente não sei... Ele estava sem palavras.
Fernando não terminou com sua mulher. Quis manter a casca do relacionamento e o levou como se não tivesse acontecido nada. Continuou sendo o marido carinhoso que sempre fora.
Certo dia:
- Claudia venha ver essa notícia! Venha! Corre!
“Fábio Frederico dos Santos, um rapaz da Zona Sul de São Paulo foi encontrado morto em um matagal. Ninguém sabe o que aconteceu. Dizem que era de boa índole, mas a polícia trabalha com a hipótese de vingança. Já os pais dizem que ele não era envolvido com drogas e que não havia se metido em nenhuma confusão”.
Claudia colocou a mão na boca:
- Meu Deus do céu. Mas por quê? Ele era tão bonzinho. Lágrimas rolaram de seus olhos no átimo.
- Talvez a Bíblia dele estivesse aberta no lugar errado... E por que você está chorando?
Era um comentário tosco e uma pergunta astuta para o momento.
- Eu sempre soube que a Bíblia que ficava em cima da estante na casa dele estava aberta no Salmo 91.
- A Bíblia fala tantas coisas. Seria melhor você lê-la mais ao invés de se apegar em poucas palavras.
No outro dia Claudia foi ler o que estava escrito na Bíblia que ficava aberta em cima da raque:
“Porque furioso é o ciúme do marido, e de maneira nenhuma perdoará no dia da vingança.” (Provérbios 6.34)