O CABOCLINHO E O VALENTÃO

Jóca era um pobre rapaz, caboclo magro, franzino, e como se diziam no povoado, era um fiapo de gente e até mesmo pelo porte físico, nunca se ouviu falar que tivesse encrencado com alguém. Sempre muito bem educado, se dava muito bem com todos os moradores do pequeno povoado, tratando os senhores de mais idade por “patrãozinho” e os mais jovens por irmão e assim ia vivendo Jóca, ao que não se podia dizer de Tonhão, ao contrario, era um homem rústico, sistemático, portador de um físico avantajado, usufruía de sua aparência para dominar as pessoas, ninguém o olhava com bons olhos, metido a valentão, se fazia de sabichão e esquentado como era, volta e meia ele estava agredindo um ou outro morador do lugarejo com o seu inseparável rabo de tatu, não se importando com idade ou forma física e até corria na região o boato de que o bandido viera fugido de sua terra natal, que a bem da verdade ninguém sabia explicar onde era, por causa de um assassinato que havia cometido por lá, no entanto todos morriam de medo do homem.

De certa feita o padre da cidade planejou uma romaria para a cidade de Aparecida do Norte, para visitar a Padroeira do país e foi feito o convite a todos os moradores do pequeno lugarejo, um bom numero de fieis aderiram a romaria entre os quais o fervoroso Jóca. Como a noticia correu o povoado de boca em boca, o famigerado e descrente Tonhão ficou sabendo e decidiu que também iria a esse passeio, mesmo sem ser convidado.

Vale lembrar que naqueles tempos uma viagem o Santuário tendo como meio de transporte mais rápido da época, o trem a vapor, demoraria duas noites e um dia sendo que pegariam o trem na pequena estação da cidadezinha na boca da noite, chegariam na capital por volta do meio dia, fazendo baldeação para a cidade de Aparecida, onde deveriam chegar na madrugada, mas pela devoção Santa Padroeira, a fé estava acima de qualquer obstáculo assim marcado o dia de embarque, la estavam um bom numero de fieis, inclusive o franzino Jóca e o gigante Tonhão.

Já era noite feita quando o trem aponta na curva da estrada de ferro dando um alto apto, lentamente vai se aproximando da plataforma onde os romeiros aguardam a chegada do cabeça de fogo. Após a parada, eles adentram no trem sendo por primeiro o estúpido Tonhão, como o vagão esta praticamente vazio naquele dia, ele escolhe um lugar privilegiado no vagão e sentando no banco da janela, depois os demais passageiros e por ultimo o polido Jóca, que não encontrando lugares vagos no vagão, não tem outra opção se não sentar ao lado do temido Tonhão.

Um longo apto, uma nuvem de fumaça e lançado aos ares pela locomotiva a vapor e lentamente o trem vai se movendo, deslizando pela trilhos da Estrada de Ferro Sorocabana se afastando da pacata estação rumo a capital do estado. A viagem é longa, com balançar do vagão o valentão logo se arrumou no banco, se esticou todo não tendo o mínimo respeito com o Jóca que se espremia ao lado do valentão que pouco tempo depois pegou no sono. Jóca porem estava mais acordado que nunca e com o chacoalhado do vagão começou a reavivar na memória toda refeição feita horas antes do embarque, foi ficando desacomodado, a boca parecia encher de salivas, o enjôo veio forte, parecia que tudo o que estava dentro do estomago queria sair, mas apesar de franzino era um caboclinho de opinião e agüentava firme e durão, não dando alarme na confiança de que tudo iria se ajeitar, ate que não teve jeito, o negocio era lançar fora o que estava dentro e para não sujar o corredor, tentou inutilmente abrir a janela onde Tonhão ressonava tranquilamente, mas não deu tempo e acabou vomitando no colo do valentão que dormia um sono pesado.

Os demais romeiros ficaram preocupados com a situação, pois conhecendo o gênio de Tonhão, ao acordar com certeza daria um fim no refinado Jóca e cenas diversas passavam pelas mentes do medrosos: Jóca sendo lançado pela Janela do trem, Tonhão espancando Jóca ate a morte, enfim as mais diversas e terríveis situações poderiam acontecer, pois conhecendo bem o gigante com certeza não deixaria barato e passaria um duro corretivo no raquítico Jóca.

Este por sua vez muito envergonhado nem sequer olhava para o lado dos romeiros, após o episodio, retirou um lenço do bolso, limpou a boca e alguns respingos em sua roupa e depois se acomodou no banco, alguém ainda sugeriu para que saísse daquele lugar, mas ele insistiu em permanecer ali, Tonhão dormia um sono dos deuses e a locomotiva arrastava os vagões pela estrada de ferro afora, noite adentro.

Já na madrugado, quando o horizonte esboçava sinais da aurora Tonhão acordou num sobressalto, os romeiros até fingiram dormir e o homem se viu todo lambuzado, olhou para os braços, para a pernas, restos de comida jaziam por toda roupa do homem que não entendeu nada daquilo e quando olhou para Jóca a procura de algum culpado, o caboclinho muito simplório, retraído no seu pequeno espaço da poltrona, indagou:

_______ E o patrãozinho! Tá si sintino miô do istômago agora?

E o trem seguia seu trajeto rumo a capital do estado.

Maciel de Lima
Enviado por Maciel de Lima em 31/08/2010
Código do texto: T2471117
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.